Por RECC-MS
Estudantes indígenas Guarani, Kaiowá e Terena, da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS), UNIGRAN e Faculdades Anhanguera levantando barricadas na Rodovia MS-156 para transporte público no trajeto Reserva Indígena de Dourados (RID) e universidade ensinaram mais uma vez que só pela luta que se ganha. Com amplo apoio da comunidade das aldeias Jaguapiru e Bororo, parte da RID, estudantes, trabalhadores, professores e outros apoiadores indígenas iniciaram a ação e o acampamento no dia 1º de outubro, bloqueando a estrada que vai no sentido do município de Itaporã. A mesma rodovia corta as aldeias no meio, sendo comumente um local de acidentes e assassinatos provocados por carros e caminhões que atropelam trabalhadores e crianças indígenas. A prefeita de Dourados, Délia Razuk, mais uma vez em função do capital se negou a comparecer no local para escutar as demandas e negociar, limitando-se a dizer que o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização de Profissionais da Educação (Fundeb) é apenas para educação básica, recusando o dever de garantir transporte. A postura da prefeita contradiz até mesmo publicações do Diário Oficial do Município, que desde 2015 afirma que “estudantes universitários e de escolas técnicas de Dourados que moram na zona rural e nos distritos terão garantido o acesso ao transporte escolar”.
A Reserva Indígena de Dourados, criada na década de 1910 pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), órgão indigenista de Estado que antecede a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) é a Reserva mais populosa do Mato Grosso do Sul: ali vivem mais de 15.000 pessoas para apenas 3000 hectares. É um local reconhecido, portanto, pela situação de confinamento, cerco ou “chiqueiro”, como dizem os indígenas. Nesses cercos indígenas são obrigados a viverem sem acesso à terra e ao território originário para reproduzir seu modo de vida. O avanço da fronteira agrícola e das frentes de colonização provocaram a desterritorialização e o deslocamento forçado de grandes contingentes populacionais que foram submetidos à regimes de trabalho precários e superexplorados aos quais os indígenas referem-se como changa, o deslocamento forçado da aldeia para o trabalho. Ainda hoje, a prefeitura mantém sua política anti-indígena e abertamente racista: para o poder municipal e o Estado neocolonialista, o único ônibus que deve chegar na aldeia é o ônibus dos rurais, para conduzir o povo à penúria do corte de cana-de-açúcar. Para os novos senhores do engenho, detentores do poder, aliados do latifúndio e serviçais do imperialismo, o indígena só existe como mão-de-obra barata. Quando, através de sua luta e após décadas de mobilização indígenas conseguiram acesso à universidade, seu direito básico de transporte é imediatamente cortado e desconsiderado.
Os estudantes denunciam que a prefeitura se nega a ouvir suas demandas, considerando que existem 150 estudantes que não tem condições de se deslocar até a universidade e dizem que já estão reprovados por falta nas matérias dos diversos cursos que realizam. No entanto, a solidariedade e a combatividade mantém os combatentes de pé sob o sol quente de Dourados que “Chega a criar bolha na pele”, conforme uma camarada Terena em luta. Bolhas nos pés e noites mal dormidas não dirimem sua solidariedade: “eu pensei bastante antes de entrar nessa causa. Se eu pensasse só em mim… eu dava meu jeito, porque é meu último ano. Mas só que eu não posso pensar só em mim. E os que entraram esse ano? E os que futuramente irão entrar? O que que vai ser deles, tirado esse direito deles? Então a gente tem que lutar!”
A combatividade dos indígenas sublevados na rodovia se expressa ainda nas palavras de outro companheiro Guarani e Kaiowá, estudante de Ciências Sociais, reafirmando que dali não sairiam sem a vitória: “Nós vamos continuar aqui resistindo por tempo indeterminado”. De fato, a mobilização durou 3 dias e três, e só terminou pois conquistaram um ônibus por 30 dias fornecido pela prefeitura de Itaporã, que decidiu negociar por temor frente aos efeitos do bloqueio permanente da rodovia.
A mídia burguesa da região, aliada da prefeitura, tentou ainda desmobilizar o grupo através de mentiras típicas da mídia paga pelos fazendeiros, acusando aos indígenas de terem sido responsáveis pela morte de uma criança que ficou sem atendimento da ambulância da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI). Basta ouvir aos indígenas na rodovia para perceber mais uma mentira sobre a justa causa rebelde: todas as ambulâncias que chegavam no local eram imediatamente liberadas, conforme pudemos verificar pessoalmente. Ao mesmo tempo, existem diversas rotas internas da aldeia nas quais as ambulâncias podem tomar para assistir a quem esteja doente. A mídia burguesa, no caso os manipuladores do jornal Dourados News, esquecem que a gravidade do desmonte da saúde indígena é reflexo justamente da política genocida dos sucessivos governos alinhados ao agronegócio.
A luta de estudantes é permeada por uma leitura crítica da tentativa do Estado racista/fascista em esmagar os de baixo. Um companheiro Guarani e Terena, estudante da Licenciatura de Educação no Campo (LEDUC), afirma: “A prefeita falou: deixa eles lá, não vão aguentar. Então, estão tratando nós como animais, realmente numa área de confinamento. Pra eles pouco importa se estamos bem ou se não estamos. Quando levamos uma simples reivindicação, eles colocam tanta barreira e tanta dificuldade apenas por um transporte. Nós vemos que não é só um transporte, só um ônibus: é discriminação, é jogo de força, é mais uma prova de que querem nos exterminar. Isso é uma forma deles nos exterminar. Sem educação, estamos fadados ao extermínio”.
Os estudantes indígenas mostraram o caminho da vitória, mantendo as barricadas por três dias de intensa e vitoriosa mobilização. Sabemos, porém, que após passados os 30 dias garantidos pela prefeitura de Itaporã, não haverá transporte novamente. A rebelião está anunciada: sem transporte, as rodovias irão arder em chamas outra vez, e os povos indígenas de Dourados estão preparados para lutar.
Avante a luta dos estudantes indígenas!
É barricada, greve geral! Ação direta que derruba o Capital!