50 anos do Manifesto Contra a Farsa Eleitoral

50 anos do Manifesto Contra a Farsa Eleitoral

Federação das Organizações Sindicalistas Revolucionárias do Brasil

Outubro de 1970, período eleitoral se aproxima. O Brasil passa por uma ditadura civil-militar e vive a expressão mais dura deste regime com o AI-5 (Ato Institucional nº 5). O governo executivo tem poderes de exceção, persegue e pune opositores, tortura, mata, suspende direitos políticos de cidadãos, caça mandatos.

Neste momento, a aliança entre 4 organizações revolucionárias (ALN, MR-8, VPR e MRT) lança o Manifesto Contra a Farsa Eleitoral. Convocam o voto nulo e agitações públicas como forma de protesto contra a suposta “escolha” entre os únicos dois partidos permitidos, o bipartidarismo.

Ao fim da apuração, a soma de votos nulos, brancos e abstenções alcançou quase 50% dos eleitores. “”Do ponto de vista de interferir na política institucional, a campanha pelo voto nulo em 1970 foi a nossa grande vitória”, disse Carlos Eugênio Paz, o Clemente, ex-comandante militar da ALN.

Em 2020, completam 50 anos deste Manifesto. Reproduzimos ele abaixo. Este mês, novas eleições se aproximam repetindo velhas ladainhas. Somos convocados à votar, mas não decidimos nada sobre nossas condições de vida, que só pioram.

Desemprego e empregos precários, salário e direitos cortados, custo de vida aumenta, repressão militar. As eleições se repetem como farsa. Não votar em nenhum candidato é uma forma de protesto. Não se render, lutar é nossa arma para dias melhores.

Republicamos este Manifesto também em homenagem à Carlos Marighella e Joaquim Câmara Ferreira, o “Toledo”. Marighella, comandante da ALN, foi assassinado em uma emboscada militar em 4 de novembro de 1969; Toledo, tornou-se comandante da ALN após a queda de Marighella, foi torturado e morto pela ditadura em 23 de outubro de 1970.

Abaixo a farsa eleitoral!
Não Vote, Lute por trabalho, saúde e paz!

MANIFESTO CONTRA A FARSA ELEITORAL

Ao Povo Brasileiro (Outubro de 1970)

A ditadura consentiu na realização das eleições a 19 de novembro, o que pretende ela com isso? Pretende dar ao povo a ilusão de que pode escolher seus representantes e seus governantes. Mas, qual é a verdade? Só há dois partidos, e o povo terá de escolher entre eles, a ARENA e o MDB.

A ARENA é o partido do governo, o partido da ditadura. Está de acordo e é corresponsável por todos os crimes que vem sendo cometidos contra o Brasil e o nosso povo nestes seis anos. O MDB nos diz: “partido da oposição”. Mas, oposição a que? De oposição a esse regime de terror, de perseguições, de cassações, da tortura (…). Não! O MDB é uma falsa “oposição ao governo”, pois se vende abertamente ao regime, isto é, ao conjunto destas atuações. Seus porta-vozes mais autorizados que o afirmam. Querem aparar certas arestas, querem embelezar as coisas, mais para defender a situação instaurada em 1964, para assegurar suas posições, que lhes garantem altos vencimentos e a participação em negociatas, fazem barganha de todo tipo e até aceitaram que o ditador indicasse um homem do MDB para ser governador de Guanabara.

Talvez haja dentro do MDB alguns patriotas honestos e iludidos que se oponham sinceramente à ditadura. Eles são apenas elementos isolados. Portanto, votar no MDB é também dar um voto de confiança à ditadura. É a ditadura que está interessada na existência de um partido se que chame “de oposição” para iludir os brasileiros a apresentar-se diante do mundo como um “governo democrático”. Ela quer que o povo acredite que ainda há possibilidade de se mudar qualquer coisa através do voto, que o voto “ainda é uma arma”, pois sente que um número cada vez maior de brasileiros está compreendendo que só com a luta armada é possível derrubar a ditadura, que é preciso opor a violência justa do povo à violência criminosa da ditadura, que a arma de unidade do povo é o fuzil.

O que é certo é que o povo está sentido na própria mesa o que é a ditadura. Ditadura é mais fome: Os salários estão hoje 30% menores do que em 1954. Ditadura é a negação da liberdade de imprensa, de organização e de palavra. Ditadura são os sindicatos reduzidos ao silêncio. Ditadura são os impostos cada vez mais extorsivos. Ditadura são as vítimas da seca encerradas em campos de concentração chamados de “fazendas de trabalho” e morrendo de fome. Ditadura são os trabalhadores do campo martirizados e vendidos como gado para os grandes fazendeiros.

Ditadura são as enormes filas do INSS, gente morrendo sem atendimento médico, é a demagogia de “participação nos lucros” para dar ainda mais dinheiro aos patrões. Ditadura é a perseguição dos intelectuais e estudantes, são os cientistas brasileiros obrigados a se refugiarem no estrangeiro para poder trabalhar. Ditadura é a entrega de um quinto da área rural do país aos americanos (…). Ditadura é o imperialismo internacional pegando todos os anos um bilhão de dólares do Brasil, fruto do suor de nosso povo. Ditadura é a corrupção generalizada, são generais e coronéis dando ordens em todo lugar, exigindo “caixinha” para fazer qualquer negócio. Ditadura é o assassinato de presos políticos, como aconteceu antes com dezenas de outros, como o operário Olavo Hanssen. É a tortura imposta a milhares de brasileiros, como ficou claro através das denúncias da Conferência Nacional dos Bispos, do Papa Paulo VI, da Comissão Jurídica Internacional da ONU, de D. Helder Câmara e tantas outras personalidades. Ditadura é a ausência de qualquer direito e de qualquer norma legal. É o estado do terror.

Por isso, ao invés de votar, o povo deve protestar contra a ditadura no dia 15 de Novembro. Esse deve ser um DIA DE PROTESTO. E, para protestar o jeito é ANULAR O VOTO. O jeito é escrever qualquer frase de protesto no papel e botar na urna, é riscar uma cédula. É dizer o que se está pensando. Para isso, apoiaremos a formação, em toda parte, de COMITÊS DE DENÚNCIA DA FARSA ELEITORAL. Isso não é difícil. Três amigos, ou dois mesmo, podem tomar a iniciativa. Conversar com outros amigos. Escrever nas paredes, fazer selinhos e colar em toda parte. Nas conversas, sem falar nos Comitês, esclarecer o povo a respeito do verdadeiro significado das eleições. Reproduzir este panfleto, ou apenas usar parte dele, a mão, a máquina ou com qualquer outra maneira de reproduzir. Só com pessoas de muita confiança se deve falar na organização dos Comitês.

Os COMITÊS DE DENÚNCIA CONTRA A FARSA ELEITORAL são pequenas organizações independentes, que devem ter o máximo de iniciativa. Sua função é fazer propaganda, é conseguir o apoio de colegas e amigos, é divulgar a verdade sobre a ditadura, é esclarecer o povo. Os comitês podem ser uma grande força. O povo está ciente disso que aí está. Basta lembrar como, no passado, o povo já manifestou seu descontentamento nas urnas, elegendo o bode “Cheiroso” em Pernambuco e o “Cacareco” em São Paulo. Agora é preciso que a anulação maciça dos votos seja uma manifestação do povo de mudar isso que aí está, de protestar contra os crimes da ditadura. O povo não dispõe de rádio, de TV, de Jornais. Mas há alguma coisa mais forte do que essa imensa máquina de propaganda, com a qual querem imbecilizar o povo. É a própria consciência popular: Contribuir para despertá-la e organizá-la é o dever de todo patriota, de todo democrata, de todos os que trabalham e sofrem neste imenso Brasil e que sabem por que sofrem. Assim, VOTO NULO no dia 15 de Novembro.

Que cada fábrica, oficina, escola, fazenda, bairro ou núcleo de moradores, que nos próprios quartéis e navios de guerra, que formem COMITÊS DE DENÚNCIA DA FARSA ELEITORAL. Que esses comitês reproduzam este manifesto, que façam seus próprios manifestos e volantes, que tomem todas as iniciativas de propaganda, divulgação e arregimentação que possam. Que divulguem por toda parte as palavras de ordem:

VOTO NULO CONTRA A DITADURA!
VOTO NULO CONTRA O ARROCHO SALARIAL!
VOTO NULO CONTRA A TORTURA!
VOTO NULO CONTRA A CENSURA!
VOTO NULO CONTRA AS CASSAÇÕES!
VOTO NULO CONTRA OS AMERICANOS!
VOTO NULO CONTRA FARSA ELEITORAL!
ARMA DO POVO É O FUZIL!
LUTA ARMADA É A SOLUÇÃO!

Brasil, Outubro de 1970.

ALN – Ação Libertadora Nacional
MR-8 – Movimento Revolucionário 8 de Outubro
VPR – Vanguarda Popular Revolucionária
MRT – Movimento Revolucionário Tiradentes

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