Comunicado Nacional do FOB, nº 07 – Junho/Julho de 2017
Chega de ilusão, avançar na ação e organização: a necessidade da greve geral e da independência para os direitos populares!
“Precisamos superar o debate das pequenas diferenças entre as colorações partidárias e acabar com nossa ilusão no marketing que eles promovem para ganhar eleições. Enquanto nos perdemos discutindo se tal ou qual partido institucional é de esquerda ou direita, no fim todos querem se ocupar do Estado capitalista e acabam nos esmagando de cima pra baixo. Gerir o Estado é gerir o capitalismo contra o povo.”
– Comunicado FOB, nº 05 (junho/2016)
A conjuntura política no Brasil está em chamas. Os partidos políticos disputam entre si para ver quem vende as maiores ilusões para o povo e lutam para blindar suas siglas do mar de lama que se alastrou na democracia burguesa. Todos querem ser o novo salvador, ao mesmo tempo em que tentam se salvar.
Este cenário brasileiro tem raízes que antecedem o atual momento político que vivemos, por isso, para fazer uma análise mais profunda devemos levar em consideração a continuidade das políticas aplicadas pelo Estado desde o governo Lula. A conciliação de classes, foi levada a cabo durante a Era Lula. Os governos PT tentaram fazer o impossível: “conciliar trabalhadores e patrões”. O Partido dos Trabalhadores teve uma dupla função durante o período em que esteve no governo: i) aplicou as políticas neoliberais; e ii) tutelou as organizações da classe trabalhadora e movimentos sociais, trazendo-os para dentro da estrutura estatal e da disputa eleitoral. Estas duas funções se complementam entre si, pois permitem a aplicação de uma política nefasta ao povo sem grande alarde sobre seus males, e limitam a capacidade organizativa e de resistência dos trabalhadores.
As medidas aplicadas durante o governo do PT não são opostas às medidas agora aplicadas por Temer, pelo contrário, seguem a mesma lógica neoliberal. Privatização, suspensão de direitos ou cortes em áreas sociais, não é exclusividade de um só governo. Lembremos que a primeira grande “vitória” do governo petista foi, justamente, a reforma da previdência, esta foi seguida por outras medidas como o repasse de verba da Educação pública aos cartéis educacionais privados via PROUNI e FIES, cortes bilionários na Educação e Saúde, veto da auditoria da dívida pública, veto do reajuste do Bolsa Família, aumento das prestações do programa Minha Casa Minha vida, construção da usina de Belo Monte, privatização de rodovias, portos e aeroportos. Ou seja, quanto mais a crise bate, maior é a política de austeridade e de cortes, tanto durante o governo Lula/Dilma, como agora no governo Temer.
Contudo, o PMDB não possui a base social que o PT aglutina, e agora o Partido dos Trabalhadores, que antes utilizava esta base para defender seu programa, utiliza-a para desgastar o governo Temer. Não porque quer efetivamente travar uma luta e barrar as reformas em curso, mas porque pretende se lançar como uma renovada alternativa na disputa eleitoral. Assim, do ponto de vista da classe trabalhadora, esta polarização é falsa, pois nenhum deles pretende assumir as demandas do povo, mas governar para alguma fração da burguesia.
A falsa ideia de que vivenciávamos um momento de pouco acirramento da luta de classes na Era Lula se desfez e a fraca capacidade de resistência, gestada durante todo este período de tutela por parte do PT, veio à tona. Acomodando-se às disputas eleitorais e lutas por dentro da estrutura estatal, se fez definhar a independência da classe trabalhadora frente aos mecanismos da burguesia, com efeito, não é de se espantar que os sindicatos e movimentos sociais não consigam mobilizar efetivamente suas bases nem para a defesa de Dilma, durante o impedimento, nem para uma Greve Geral contra as medidas do governo Temer, e tenham como propostas para o povo as “Diretas Já”, “Lula 2018” ou uma “Assembleia Constituinte”, propostas reformistas que apostam na institucionalidade burguesa, e não na organização e combatividade do povo.
O caráter das reformas em curso
A classe trabalhadora nunca deixou de ser atacada pelas medidas impostas pelos governos, porém, estes ataques têm sido intensificados em consequência da crise econômica com a aplicação do ajuste fiscal, iniciado com Dilma e aprofundado pelo governo Temer junto à diversas reformas anti-povo. Estas medidas visam a redução dos gastos públicos em áreas sociais e a flexibilização e precarização dos contratos e direitos de trabalho, ao mesmo tempo em que mantém os gastos absurdos para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública.
Já no início do governo do PMDB, em 2016, vimos ser aprovado o congelamento de 20 anos nos investimentos em áreas sociais através da PEC55, que hoje se soma à Reforma da Previdência, Reforma Trabalhista e Lei de Terceirização. Estas políticas irão impactar diretamente na vida do povo, imediatamente e a longo prazo.
A Reforma da Previdência, com o aumento da idade para se aposentar, irá criar uma reserva ainda maior de trabalhadores no mercado de trabalho, que terá por consequência uma maior disputa de vagas e rebaixamento de salário. O tempo de contribuição de 40 anos para o recebimento do benefício integral[1] fará com que os trabalhadores permaneçam em atividade laboral até a velhice se quiserem receber integralmente, e a ampliação do tempo mínimo de contribuição para acesso a previdência, de 15 para 25, poderá gerar uma “exclusão previdenciária” que, como apontam estudos[2], afetará principalmente os setores já precarizados da sociedade: as mulheres, negros e trabalhadores pobres menos escolarizados.
Já a Reforma Trabalhista prevê a Lei de Terceirização das atividades-fim, que expandirá a precarização do trabalho para setores que antes não eram atingidos. Isto significa que o funcionalismo público, desde os professores das escolas e universidades aos enfermeiros e médicos dos hospitais, poderá ser contratado através de empresas de prestação de serviços, e não mais por contrato direto. A terceirização, ao contrário do que os empresários tentam nos fazer crer, é ainda mais custosa ao Estado, pois insere mais uma etapa no processo de contratação – o setor privado – e este, para se manter gerando lucro, repassa todos os riscos aos trabalhadores. Os contratos terceirizados recebem em média uma remuneração 17% menor do que sob contratação direta[3], e também são os trabalhadores que mais são vítimas de acidentes de trabalho devido as precárias condições. Segundo o procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho na Paraíba, Cláudio Cordeiro Queiroga Gadelha, cerca de 80% dos acidentes de trabalho com morte no Brasil atinge trabalhadores terceirizados[4]. Além disso, a Reforma Trabalhista também prevê a flexibilização nas jornadas de trabalho e consequentemente flexibilização na remuneração -, o fatiamento de férias, alteração no horário de almoço e os acordos coletivos (que permite o acordado se sobrepor à legislação trabalhista).
Este projeto de precarização no trabalho vem acompanhado de um projeto educacional correspondente. A Reforma do Ensino Médio funciona como uma prévia disso, “flexibilizando” o ensino e adaptando-o aos interesses e necessidades de mão de obra dos empresários. A Educação deixa de ter um papel de formação humana e propedêutica para formar trabalhadores para atender as demandas específicas do mercado.
Todas estas reformas imposta pelo governo possuem o claro objetivo de retirar a responsabilidade do Estado sobre a proteção trabalhista, flexibilizar a obrigação do empresariado no cumprimento das leis de trabalho, preparar os jovens para um trabalho precarizado, e assim repassar todos os riscos da instabilidade econômica aos próprios trabalhadores. Ou seja, quando o governo e os empresários dizem “flexibilização”, isto significa, para os trabalhadores, precarização e exploração.
Esta conjuntura está posta a todos os trabalhadores, afetando significativamente as relações de trabalho e acesso à seguridade social em benefício das empresas e da desoneração do Estado. Portanto, o povo deve resistir cotidianamente para conseguir barrar estas reformas.
As disputas no interior da classe trabalhadora: a tutela e a revolta popular
A ilusão de que era possível atender aos interesses das diferentes classes por meio da conciliação contribuiu para o enraizamento do reformismo na organização da classe trabalhadora. O período de tutela sobre os sindicatos e movimentos sociais acomodou as direções numa prática burocrática e eleitoreira, secundarizando o método combativo e independente dos trabalhadores, que hoje são frequentemente criminalizados pela própria direção sindical quando ousam agir por fora do repertório de práticas políticas legitimado pela ordem burguesa.
A crise na organização dos trabalhadores, longe de ser um fenômeno nascido agora, torna-se mais evidente após a crise econômica e, principalmente, depois da destituição do Partido dos Trabalhadores na presidência. Isto se dá por dois motivos: i) a linha social-democrata do PT que exercia a tutela sobre as organizações da classe e que priorizava a disputa política estritamente por meio das vias burguesas, isto é, através da legalidade do Estado, e ii) pela hegemonia que esta política social-democrata ainda exerce sobre a organização do proletariado. Isto significa que os métodos de ação direta, combatividade e independência do povo continuam a ser secundarizados pela linha hegemônica, em contraste com a disputa e pautas parlamentares por dentro das instituições burguesas.
As lutas que ocorreram e ocorrem durante o ano 2017 mostram concretamente esta situação. A Greve Geral do dia 28 de abril, em diversas localidades do Brasil, expressou uma tensão dentro do movimento sindical e popular. Esta tensão se caracteriza, de um lado, pela festa de palanque dos “Ato-Show”, que tem como pauta, além do combate às reformas, o desgaste do governo do PMDB visando as próximas disputas eleitorais. Do outro lado, a retomada da combatividade proletária através de piquetes, bloqueio de ruas e vias, que tem como pauta, além do combate às reformas, a luta contra as burocracias sindicais e sua estratégia reformista e conciliatória.
Esta polarização não é nova, mas atingiu um novo patamar a partir de 2013 com a contestação generalizada da tutela das centrais sindicais, tornando-se agora um embate cada vez mais nítido de ambos os lados. Têm crescido a denúncia da política reformista social-democrata, assim como cresceu, por parte desta, a criminalização dos movimentos e das práticas combativas, comprando o discurso do Estado e da mídia burguesa. Mesmo após o espetáculo de repressão em DF, no dia 24 de maio, que deixou diversas pessoas feridas, os Partidos social-democratas não avançaram na combatividade para combater as reformas, pelo contrário, em diversas localidades foram realizados Shows (que não podemos nem chamar de Ato) pela “Diretas Já” com artistas e bandas famosas, uma verdadeira festa, retirando o povo do protagonismo da luta e colocando-o como espectador desta grande espetáculo parlamentar.
Assim, a nova Greve Geral marcada para o dia 30 de junho não apresenta, por parte do reformismo, nenhuma perspectiva nova, as novidades estão ocorrendo e ocorrerão por trabalhadores de base que estão assumindo a necessidade do enfrentamento, e não aceitam a conciliação. A convocação para o dia 30 já começou recuada frente a proposta de se fazer uma Greve de 48 horas, junto aos Atos Show de “esquenta” pra Greve Geral; agora, o governo Temer chamou uma conversa entre as Centrais, temendo o caráter político da greve geral e sinalizando que o imposto sindical não seria retirado completa e imediatamente, o que resultou em recuos frente a própria Greve Geral de Centrais como a Força Sindical. Apesar dos discursos de que a Greve Geral é o principal instrumento de combate da classe trabalhadora às reformas do governo Temer, na prática as centrais sindicais tem feito das mobilizações um palanque de campanha eleitoral antecipado, dando centralidade na disputa partidária e pautando saídas dentro da legalidade burguesa. Partidos como PCB, PSTU e PSOL apesar de algumas críticas direcionadas ao PT e PCdoB, ainda hegemônicos, seguem com as mesmas propostas, não criando uma alternativa real à ilusão eleitoral.
Cabe, portanto, aos setores combativos e revolucionários a construção desta alternativa, que vise a auto-organização do povo e a utilização de métodos combativos de ação direta, diferenciando-se dos setores governistas e para-governistas, e municiando politicamente a classe trabalhadora para resistir aos ataques do governo.
Nem Diretas Já, Nem Lula 2018: A saída é de baixo pra cima
Diante de tal conjuntura, a classe trabalhadora não precisa, tão somente, de uma saída simplista e reducionista, mas de uma estratégia real, capaz de combater a agenda de reformas da burguesia e impor a vontade popular. Nenhuma bandeira se fará valer se o poder proletário não se converter em força real, organizada e independente das instituições controladas pela burguesia e seus serviçais.
O golpe parlamentar ao Partido dos Trabalhadores demonstrou nitidamente que a burguesia não respeita a legalidade de seu próprio sistema e altera os atores do jogo político quando lhe convém. O voto popular não é soberano. O povo – desorganizado e sem força para impor sua vontade – não é soberano de fato. A questão do poder popular não se resume a uma formalidade democrática. O poder popular só pode se efetivar através da organização independente do povo, em cada bairro, em cada local de trabalho e estudo.
Deste modo, as saídas pragmáticas do reformismo não possuem nenhuma potência em transformar-se em uma saída real à classe trabalhadora. As “Diretas Já” e “Assembleia Constituinte”, além de apelarem para o mesmo sistema e os mesmos atores que vem demonstrando total falência, também se constituem como um socorro para salvar a democracia burguesa, pois é necessária ao reformismo social-democrata a subsistência deste sistema político. Estas saídas não fortalecem o poder independente do povo e reforçam a submissão dos trabalhadores frente a institucionalidade burguesa. A social-democracia que propõem isto coloca-se, portanto, como uma barreira à auto-organização e independência da classe trabalhadora, isto é, coloca-se ao lado da conservação do sistema burguês contra o povo.
O mesmo acontece com bandeira “Lula 2018”, uma bandeira que não representa uma alternativa da classe trabalhadora. Se considerarmos todos estes anos de governo do PT para além da cor da bandeira, é nítido que sua política econômica, apesar dos programas sociais, não se dispôs à enfrentar as altas classes. Não por “traição” ao povo, mas justamente porque seu programa foi o de conciliação de classes. Isto significa manter os lucros e negócios dos bancos, das indústrias, do agronegócio, enquanto cria programas sociais que, não se contrapondo aos negócios dos empresários e banqueiros, ainda geram um mercado propício para o desenvolvimento dos setores privados, como o caso da Odebrecht e Kroton. A renovação da ilusão eleitoral serve apenas para adiar a ação das massas, enquanto esmaga o povo com austeridade e novas promessas.
Dissipar esta ilusão e construir uma alternativa independente e combativa da classe trabalhadora é uma tarefa histórica que está posta à todos os setores revolucionários. Enquanto nas periferias reinar o genocídio do povo negro, enquanto nas florestas houver o afogamento do ecossistema e o extermínio do povo indígena, enquanto no campo houver assassinato cotidiano de camponeses, a opção “menos pior” será sempre a pior!
O período mais tenebroso da história do Brasil é o período em que se tornou normal subjugar as lutas do povo ao sistema político genocida da burguesa!
Nossa tarefa, portanto, é a de construir as condições para o desenvolvimento das forças da classe trabalhadora. Para isso é necessário mobilizar em todos os locais de bases, fortalecendo a auto-organização, a combatividade e a discussão política desde cada local de trabalho, cada bairro, cada escola e universidade. Construir a Greve Geral não é apoiar a política que as Centrais estão chamando, em muitos locais, de ficarmos em casa ou ir à “atos-show”. É travar uma luta contra os capitalistas e também contra a burocracia sindical, ambos convergindo no interesse de manter a estabilidade social burguesa, a partir da retomada da organização e direção da luta pela própria classe. A solidariedade de classe deve ser irrestrita, respeitando a diversidade inerente à classe trabalhadora e denunciado os inimigos que se colocam no caminho da luta do povo.
Os trabalhadores conscientes e organizados são a alma de toda e qualquer luta de massas, e somente assim será possível construir uma Greve Geral que de fato envolva os trabalhadores, paralise a produção e circulação de produtos, que ponha em xeque a propriedade privada e o lucro da burguesia e os órgãos de administração do Estado burguês (como Câmaras Legislativas etc.), e avance na conquista dos direitos dos trabalhadores.
[1] https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2017/04/19/novo-calculo-diminui-aposentadoria-de-quem-trabalhar-menos-do-que-34-anos.htm
[2] http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,estudo-diz-que-reforma-da-previdencia-vai-prejudicar-mais-pobres-mulheres-e-negros,70001845731
[3] http://epocanegocios.globo.com/Economia/noticia/2017/03/entenda-o-efeito-da-lei-da-terceirizacao-para-o-trabalhador.html
[4] http://www.prt13.mpt.mp.br/2-uncategorised/139-terceirizados-sofrem-mais-acidentes-no-trabalho