Oposição de Resistência Classista (ORC-DF) | Trabalhador@s da Educação
Estamos vendo a cada dia um avanço da repressão e da tirania em nosso país em diversas esferas: em protestos, em ambientes de lazer, nos locais de trabalho, de estudo, no ambiente virtual, em nossas comunidades, na vida íntima e familiar. Essa repressão vem aumentando como causa e efeito das disputas burguesas pela ampliação da acumulação de capital e, nas condições de um país semiperiférico latino-americano, essa repressão toma contornos racistas, machistas e ditatoriais, atingindo especialmente as parcelas mais marginalizadas da classe trabalhadora (mas que tende a expandir para outras parcelas significativas do povo, a exemplo do OcupaBrasíia onde a violência letal foi utilizada em um protesto sindical-popular em plena esplanada dos ministérios). A repressão atual, portanto, não é abstrata, ela diz respeito a uma configuração específica da luta de classes e o seu aprofundamento é uma necessidade/exigência direta de controle e disciplina da burguesia sobre as massas populares para aplicação das reformas anti-povo (trabalhista, previdenciária, energética, etc) e evitar insurgências como junho de 2013.
Dito isso, a nossa intenção é refletir como as reações da burocracia sindical, no que tange a essa repressão, não só não tem praticado a solidariedade de classe como tem sido um entrave para o desenvolvimento desta. É um texto que responde a uma necessidade da luta de trabalhadores da educação na busca por uma nova prática sindical, que retifique os desvios em nossa categoria e combata a burocracia sindical que reproduz, aprofunda e se utiliza desses desvios para se perpetuar no poder.
O modus operandi para legitimar a repressão e neutralizar a solidariedade
A repressão estatal ou patronal é quase sempre apresentada pela mídia como uma “resposta” a alguma violência ou ilegalidade anteriormente praticada. Quando ocorre uma situação de repressão policial é comum surgir o debate sobre a legitimidade ou não da repressão, bem como da ação popular que supostamente levou àquela repressão. No caso de manifestações de rua o discurso é quase sempre: “a manifestação estava pacífica, até que um grupo minoritário…”. E a ação repressiva da polícia assim se legitima como necessária não apenas para defender o Estado mas também os próprios manifestantes, “pacíficos”, que aceitam os limites colocados pelo controle policial (e percebam que o controle policial não é o mesmo que a legalidade, estando o controle policial muitas vezes em contradição com a legalidade). E dentro dessa lógica àqueles que foram reprimidos ao invés de receberem solidariedade dos seus companheiros de luta, recebem estigmatização e abandono. Esse é o modus operandi do aparato repressivo, jurídico e midiático utilizado para se autolegitimar e ao mesmo tempo minar a solidariedade entre a classe trabalhadora.
Essa ideologia legitimadora da repressão não é apenas utilizada em casos de manifestações de rua, mas também em casos de perseguição nos locais de trabalho (que antecedem as punições e até demissões sem que haja empatia e resistência dos demais funcionários) e outras situações em que existe o confronto com o poder estatal e patronal.
Alguns casos exemplares de desvio
A solidariedade de classe só é existe quando ela não é seletiva apenas ao “meu grupo” ou ao “meu partido”, mas quando ela é estendida para todos os trabalhadores que estão na luta. Não podemos aceitar o que já ocorreu no Rio de Janeiro, por exemplo, onde CUT e CTB não só não foram solidários como utilizaram bate-paus para agredir e entregar militantes “mascarados” nas mãos da polícia militar. Isso é um caso inadmissível e extremo, mas a seletividade na solidariedade se manifesta em vários outros momentos, muita vezes de forma mais sutil. Por exemplo: “E se o militante X ou Y que foi preso e espancado fosse militante do seu partido ou dirigente do seu sindicato?” Basta fazer essa pergunta para percebermos que, quando colocados frente a situações concretas, a solidariedade e a indignação podem ser manipuladas para defender interesses corporativistas e não de classe.
A solidariedade de classe também não pode ser confundida com uma “solidariedade corporativa”. Ela deve ser estendida a toda a classe trabalhadora, especialmente aos setores mais oprimidos e marginalizados que por ameaças de demissão, assédio, violência, por isso mesmo devem ter maior atenção daqueles que verdadeiramente defendem a solidariedade de classe. O caso escolar é emblemático, pois os setores mais marginalizados dentro das escolas são os terceirizados e os estudantes, mas muitas vezes são esquecidos pelos professores, quando estes não reforçam ainda mais essa marginalização e isolamento. É necessário tocar nessa ferida, pois a solidariedade de classe não é um ato de caridade, mas uma ação entre iguais e, portanto, ser solidário com os camaradas terceirizados é ser solidário com nós mesmos, impedir que se retirem direitos de outras categorias é defender os nossos próprios direitos. Praticar a solidariedade de classe decorre da compreensão de que a Classe Trabalhadora apesar de heterogênea é uma só, e os professores, terceirizados, garis, operários, etc. fazem igualmente parte dela.
Uma das características da burocratização sindical é também a aproximação e integração dos sindicatos e dirigentes sindicais com os cargos e estruturas do poder do Estado. Essa integração gera como consequência o afastamento entre direção e base das categorias, gera a empatia dos dirigentes sindicais pelo estilo burguês da política parlamentar e pelas personalidades ilustres, deputados, senadores, gestores de fundos de pensão, enfim, pessoas de alta classe. Nesse sentido, a solidariedade de muitos sindicatos, centrais sindicais e movimentos tem se dirigido prioritariamente para tais “nobres” personalidades do que para o trabalhador comum. E nesse caso podemos dizer que eles tem sido bem enérgicos. Existem casos nacionais como dos políticos do PT acusados de corrupção que merecem páginas e páginas de solidariedade, enquanto pautas de pessoas comuns como o Rafael Braga, os 23 presos no Rio de Janeiro, os 18 perseguidos de Goiânia são pormenorizadas. Há também inúmeros casos mais próximos, tal como no protesto de servidores do DF contra a reforma da previdência do Governo Rollemberg (PSB), dia 05/09/2017, onde um professor foi agredido e preso injustamente e outros professores foram agredidos, mas a diretoria do Sinpro/CUT se limitou a lançar uma nota “Em apoio aos deputados distritais atacados por Rollemberg”, porque teriam sido “difamados” (sic).
Para resgatar a solidariedade de classe é necessário combater a burocracia
Um dos efeitos do aumento da repressão é o medo. O medo atinge indivíduos e coletividades, e a forma como estes direcionam/solucionam esse medo tem sido cada vez mais importante. Mas o medo nem sempre está relacionado a perda da vida mas a diversas outras perdas (políticas, financeiras, etc). O medo se torna covardia quando as pessoas ou coletividades negam seus princípios impelidos pelo medo. A covardia, diferente do medo em si (sentimento natural), mas uma decorrência deste, é o ato individualista/corporativista que busca “salvar sua pele” sacrificando os outros.
A covardia é instrumentalizada e incentivada como política estatal-patronal para destruir a solidariedade de classe. É o exemplo dos casos mais banais do “caguete” ou do “fura-greve” que entregam ou abandonam os seus iguais. Mas a covardia se torna ainda mais nefasta quando pessoas ou grupos em estruturas de poder e liderança agem de forma covarde, não impelidos pela fome ou o desemprego, mas impelidos por manter seus privilégios econômicos e políticos. Esse último caso é o de grande parte da burocracia sindical e partidária, especialmente depois do levante popular de junho de 2013, onde a repressão deu sinais de mudança qualitativa, bem como a própria forma de ação/organização popular colocava em xeque a burocracia. Uma parte da burocracia sindical-partidária colaborou com a criminalização e em alguns casos colaborou diretamente com a repressão aos trabalhadores que utilizaram métodos de autodefesa ou que fizeram greves insurgentes (como a greve dos garis no Rio de Janeiro em 2014). E aí está um elemento central e estrutural para entender ação covarde da burocracia: tendo interesses político-econômicos distintos da base que diz representar, mas precisando se manter “representando-a”/controlando-a como condição de sua reprodução, a burocracia teme a ação autônoma das bases, recorrendo em muitos momentos à criminalização e nos casos mais graves colaborando diretamente com o aparato repressivo do estado.
E então podemos analisar a situação mais extrema e degenerada das burocracias em relação à solidariedade, que é o caso citado do Rio de Janeiro: a utilização do aparato repressivo do estado como instrumento auxiliar na resolução de divergências políticas que são internas à classe trabalhadora, em prol de um grupo e contra outro. Tal prática deve ser vista como uma traição à luta dos trabalhadores, uma colaboração com os inimigos do povo, e, acima de tudo, para garantir objetivos autoritários e oportunistas: o poder sobre uma manifestação, o poder sobre uma categoria, o poder de mando e controle sindical e partidário. Tal prática é um sintoma claro da burocratização, ou seja, quando as direções sindicais ou grupos políticos deixam de trabalhar junto ao povo e com o povo para buscar o seu controle de cima para baixo e para eliminar adversários (e quando perdem esse controle se utilizam do aparelho repressivo do Estado para garantir o seu poder autoritário).
Renovar a solidariedade de classe em tempos de crise e de dificuldades
Com o aprofundamento da crise, aumento do desemprego e da precarização, existem uma série de tendências médias de reação que expressam o instinto/política de sobrevivência da classe trabalhadora: individualismo, familismo, corporativismo, nacionalismo, classismo e outros. Diferentes instituições encarnam essas alternativas: família, igreja, sindicato, partido, etc. Essas instituições definem de acordo com sua concepção quem é o “nós” e quem são os “outros”, quem devemos/podemos ajudar e quem está fora desse apoio. O corporativismo é um caso emblemático: muitos sindicatos de bases amplas foram fracionados em sindicatos mais especializados (exemplo: sindicatos de trabalhadores da educação que viram sindicatos de professores) buscando ganhos particulares em detrimento da base que anteriormente representavam. E isso não teve impacto apenas no fracionamento das organizações, mas, sobretudo no fracionamento das lutas reivindicativas. Algumas categorias, mesmo em meio a ataques gerais à classe trabalhadora ou aos servidores públicos, por exemplo, insistem em saídas isoladas, negociações separadas, lutas particulares. Levado a última instância essa ideologia leva ao individualismo: a crença de que para garantir a sobrevivência não se deve confiar em ninguém e não se deve lutar por nenhuma causa ou instituição.
O ponto central é que o corporativismo que em outros momentos da luta de classes garantiu uma aparência de eficiência e ganhos para algumas categorias (enquanto outros setores da classe eram marginalizados e silenciados, como o caso da resistência indígena), hoje é um dos principais entraves para a defesa dos interesses da classe trabalhadora como um todo. Os trabalhadores têm amargado diversas derrotas, e cada vez mais as concepções individualistas, familistas e corporativistas se demonstram incapazes de garantir a sobrevivência, as condições de vida e os direitos populares. O que é um instinto de sobrevivência tem gerado exatamente o seu oposto. E isso porque a conjuntura cada vez mais exige formas de organização e da ação coletivas de novo tipo. A base para essas novas formas de organização e ação coletivas deve ser classista e internacionalista. Ou seja, a política para os indivíduos, famílias, associações, cooperativas, sindicatos (que não deixam de existir, mas se transformam) deve estar baseado numa concepção ampla de classe trabalhadora, de que os nossos “irmãos” a quem devemos nos unir e ajudar, e que por sua vez nos ajudarão, são todos os trabalhadores e povos oprimidos do mundo.