O contraprotesto na UnB revelou três posições distintas na luta antifascista. A primeira posição, expressa pelos próprios governistas, utiliza o combate à extrema direita de forma oportunista para gerar cálculo eleitoral, não o combatendo até as últimas consequências, mas conciliando com a direita em várias situações. A segunda, reivindica a luta a nível histórico, mas é omissa no combate à extrema direita na atualidade, justificando que a polarização reforça o governo lulista. A terceira, rompe com as anteriores, e aponta que a luta antifascista deve ser guiada pela liberdade de organização e expressão, pelo combate ideológico contra a extrema-direita e igualmente contra a política econômica neoliberal do governo Lula, antessala do neofascismo.
Artigo publicado no Correio Candango nº 18 de 30/03/25
O Correio Candango é uma publicação da Federação das Organizações de Base no DF e Entorno (FOB-DFE)
A tarde de 24 de março representou um começo diferenciado para o ano letivo de 2025 na Universidade de Brasília – e permitiu um debate nacional importante. Em função de ameaças de grupos bolsonaristas de irem ao campus “limpar a Universidade da sujeira da esquerda”, centenas de estudantes ocuparam o Instituto Central de Ciências, expulsando o influenciados Wilker Leão e impedindo que extremistas de direita adentrassem qualquer prédio ou centro acadêmico.
Foi uma derrota, mesmo que pontual, da extrema direita devida, em parte, à agitação promovida por estudantes da RECC-DF, que apesar de pequena em número de militantes, no contexto da UnB, foi a primeira a pressionar pela necessidade de um ato antifascista, alertando e convencendo outros estudantes sobre a importância de encarar essa ameaça diretamente.
Mas esse ato demonstrou mais uma vez as fissuras que existem no “campo antifascista” em todo Brasil. O próprio uso do termo espalhou-se nos últimos anos e a ausência de qualificação e profundidade do debate abriu margem para o confusionismo de alguns setores e o oportunismo de outros.
GOVERNISMO ANTIFASCISTA?
No momento de crescimento e popularização da luta antifascista, faltou a percepção, por grande parte dos que reivindicam essa luta, de que o próprio governismo lulo-petista e sua política econômica neoliberal, entre elas as ferramentas de austeridade (estruturais no capitalismo dependente brasileiro), abriram caminho para a extrema direita.
Não por acaso, as origens do fascismo clássico italiano também remetem a um período de austeridade no Período Entreguerras na Europa. Historicamente, quando a coerção econômica não é suficiente para estabilidade do sistema capitalista, são reforçados os mecanismos de coerção política. Assim, a austeridade e o fascismo reforçam-se mutuamente.
Nesse sentido, a política de Bolsonaro e Lula são muito semelhantes porque austeridade e realpolitik são pontos comuns, apesar das distinções partidárias e oposições ideológicas. Em última análise, o novo arcabouço fiscal, criado pelo governo Lula/PT-PSB, bem visto aos olhos da Faria Lima, FMI e das agências de rating, nada mais é que a reprodução da receita da austeridade.
Da mesma forma, a diminuição das funções sociais do Estado e o crescimento do Estado Policial reforça, em ambos os governos, a tendência de militarização do cotidiano e da disciplina férrea da força de trabalho.
Assim, os partidos governistas (PT, PCdoB, PSB etc) e suas juventudes (Kizomba, JPT, JR, Levante Popular da Juventude, UJS, JSB etc) são oportunistas ao se afirmarem como “antifascistas”. Eles possuem responsabilidade na despolitização do movimento estudantil e da sociedade ao mobilizarem oposições simbólicas e atos festivos, mascarando a realidade de seu projeto político, deixando de lado o trabalho de base e relegando para a arena eleitoral e o poder judiciário a maior parte de seus esforços concretos em combater à extrema direita.
Até mesmo na arena eleitoral, a oposição à direita é limitada, tendo em vista que PT e PL apoiaram os mesmos candidatos em 85 cidades nas últimas eleições, e expoentes históricos da direita e extrema-direita, como o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e congressistas do União Brasil, são parte da base do atual governo. Portanto, lulismo e bolsonarismo não polarizam dois projetos antagônicos para o Brasil.
CONTRAPROTESTO MODERADO E OMISSÃO
A atual gestão do DCE da UnB (Juntos/Psol, Correnteza/UJR/UP e UJC/PCBR) e os grupos majoritários da UNE (PT e PCdoB) inicialmente se posicionaram contra a proposta de um ato antifascista e só passaram a construí-lo porque foram achincalhados pela base e por outros movimentos na assembleia da UnB. Mesmo durante a manifestação, quando os bolsonaristas pisaram no campus, apenas um pequeno número de estudantes os confrontou.
Os movimentos governistas, que dirigiam o ato, optaram por não realizar o enfrentamento, direcionando no sentido oposto, subvertendo o propósito central da mobilização. Essas ações somam-se aos atos, piquetes, campanhas de reivindicação contra os cortes nas bolsas e as atividades da greve de 2024 que contaram com pouca ou nenhuma participação dessas organizações.
Por outro lado, outras tendências, ao enxergar a relação de retroalimentação entre a extrema direita e o reformismo, passam a generalizar atos de combate à extrema direita como apenas uma forma de fortalecer o governo Lula/PT, e minimizam esse combate.
Na verdade, a mesma lógica argumentativa é utilizada pelos governistas para se blindarem de críticas, afirmando que estas “servem à extrema direita”. Quando atacamos a extrema-direita, nos acusam de fortalecer o lulismo; quando atacamos o lulismo, nos acusam de fortalecer a extrema-direita. Atacaremos os dois.
ANTIFASCISMO, LIBERDADE E REVOLUÇÃO
O papel dos sindicalistas revolucionários é unir a luta econômica e a luta política. Não temos que nos colocar fora do conflito entre neofascistas e social-democratas, temos que fomentá-lo. Estimular o conflito contra o lulismo e o bolsonarismo, apontando as confluências entre os dois projetos econômicos e os fraquejos da social-democracia. Afinal, nas imortais palavras de Buenaventura Durruti, “nenhum republicano luta contra o fascismo até às últimas consequências”.
Sabemos das limitações do combate meramente institucional da extrema-direita, e como, conscientemente ou não, o projeto político lulista depende do bolsonarismo para justificar sua própria existência, enquanto única alternativa “viável”. Defendemos que há apenas uma alternativa viável para a derrota do fascismo e a superação do colapso capitalista que se impõe sobre o nosso tempo: a revolução socialista, a luta pelo fim da sociedade de classes.
Na guerra de classes, disputamos com nossos inimigos pelo espaço e suas condições materiais, mas também pela hegemonia ideológica, o “espaço” na consciência popular. Esse conflito ocorre por todos os meios, em todos os contextos, em todos os momentos, no corpo e no bolso de cada pessoa.
O crescimento dos setores de extrema-direita nas camadas populares nos demonstra a necessidade de utilizar de diferentes táticas para diminuir o poder na sociedade desses setores e a propagação do seu projeto político. Não é algo do qual possamos nos alienar, clamando alguma pureza idealista, e a tentativa de fazer isso só fará mal a nós e as nossas bases.
A direita e extrema direita sempre existiram no Brasil, mas na última década ganharam importância diferenciada ao disputar abertamente as massas populares e atingirem certos postos institucionais, um fato que não pode ser ignorado. A conjuntura da luta contra o governo Lula III não é a mesma de Lula I e II.
A luta pela liberdade política é uma luta urgente, que dialoga com demandas materiais. Assim, não devemos ficar constrangidos em fomentar uma luta contra grupos que adentram a universidade intimidando professores e estudantes, limando a liberdade de expressão dos alunos e fazendo propaganda política reacionária por essas não serem pautas puramente econômicas. Hoje, já temos estudantes que são impedidos de se manifestar em instituições de ensino superior, perseguidos por colar cartazes na parede e fazer qualquer campanha reivindicativa.
Ao mesmo tempo, esses grandes atos não podem ser vistos como um fim em si ou como a única trincheira de combate à extrema-direita. Como tática de enfrentamento, são apenas uma parte do processo e devem ser combinados com o trabalho de base cotidiano.
Nós, da FOB-DF (RECC, ORC e pró-Terra Liberta), sustentamos o combate à radicalização reacionária burguesa onde quer que ela se encontre, por meio do trabalho de base, da auto organização, da educação popular e do acirramento da luta de classes, em seu componente econômico e de resistência/disputa por espaços.
Covardia não se combate com covardia, covardia se combate com coragem.
E isso vale tanto para a social-democracia oportunista, que mobiliza o discurso antifascista para se eleger e receber aplauso em manifestações, mas foge quando a briga fica séria, e que abandonou a classe trabalhadora à austeridade petista; quanto para grupos sectários que justificam sua ausência dos atos, mobilizações e greves do movimento estudantil da UnB com purismo ideológico pseudo-classista.
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