No dia 29 de Abril de 2023, na Escola Municipal Rural de Ensino Integral Monte Azul, ocorreu o 1º Seminário de Desenvolvimento Sustentável dos Assentamentos e Comunidades Tradicionais de Corumbá e Ladário. Houve a participação de camponeses, sindicalistas, diretores de associações, dentre outros. Os encaminhamentos firmados respondem às dificuldades de produção e acesso à educação dos camponeses.
Marcada pelo bioma Pantanal, Corumbá é o maior município em área do Mato Grosso do Sul e faz divisa com a Bolívia e o Paraguai. De acordo com o INCRA, Corumbá possui 9 Assentamentos Rurais Federais criados em sua maioria entre 1983 e 1993. Somados, possuem em torno de 35mil hectares e 1.245 famílias. Mesmo com terras conquistadas na luta, os camponeses tem bastante dificuldade de viver pela falta de infraestrutura para a produção e educação principalmente. Enquanto isso, o agronegócio desfruta de amplo investimento estatal em infraestrutura para sua produção de soja, cana, carnes e eucalipto; em grande parte para exportação.
Ainda enfrentando essa desigualdade para viver e produzir alimento para si e para o povo, os camponeses sofrem com as constantes apreensões de seus produtos comerciais, principalmente o queijo. As intensas apreensões realizadas pelo IAGRO (Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal), no começo do primeiro semestre de 2023, causaram revolta nos produtores e impulsionaram a realização deste seminário para a superação desta situação.
O seminário iniciou com uma apresentação cultural de estudantes da escola do campo local, trazendo a dimensão da terra no processo educativo e no fortalecimento do vínculo com o território. Em seguida, houve fala de diversas organizações presentes. O presidente do SIMTED, Sindicato Municipal Dos Trabalhadores em Educação de Corumbá, pontuou a importância deste processo formativo contribua efetivamente para a ação direta do povo oprimido.
Vinda do Ceará, a Organização Popular Terra Liberta, filiada à FOB, pôde estar presente através do convite e articulação do SIMTED-Corumbá. Em sua fala, o militante da FOB se solidariza com os camponeses:
O que nos motiva atravessar o Brasil da caatinga ao pantanal? É a solidariedade de classe. É entender que a dor das famílias da Ocupação Nestor Makhno em Massapê, Ceará, tem a mesma raiz da dor dos camponeses daqui de Corumbá. E se a dor tem a mesma raiz, a nossa resistência contra essa opressão não pode ter fronteiras.
O Estado que apreende os produtos dos camponeses daqui é o mesmo Estado que está querendo expulsar os pescadores cearenses de seu mar para por eólicas e vender energia para a Europa. É o mesmo Estado que nunca responsabilizou o agronegócio pela pandemia que passamos, mas tem uma mão de ferro contra os camponeses!
Militante da Organização Popular Terra Liberta/FOB
A necessidade de avançar no beneficiamento dos produtos da agricultura camponesa foi evidenciada pelo diretor da Seção Sindical de Corumbá do SINPAF – Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário. Esse avanço técnico deve vir a favorecer as diversas qualidades de queijos, por exemplo, que os camponeses produzem. Isso em um contexto de um estado como MS que tem dificuldade de soberania alimentar contrastando com o império do agronegócio.
Os assentados denunciaram fortemente as restrições do Estado contra a comercialização de seus produtos, bem como sua omissão na assessoria técnica. A renda vinda do comercio também tem grande função para a permanência da juventude que possui grandes laços afetivos com seu território.
A dificuldade de construir um processo organizativo da classe de maneira contínua é algo que vem desmobilizando o povo. “É como um lampião que não tem mais gás por que já trabalhou muito”, assim foi dito por um assentado explicando as dificuldades na organização. Em seguida, o mesmo afirmou que botando gás a chama vai voltar a iluminar a luta. Assim o seminário também se afirma com um espaço de reanimar e juntar novamente os camponeses. Botar gás no lampião!
Ao final do dia foram lido os encaminhamentos acertados em coletivo. Destacamos os setores de produção e educação:
Encaminhamentos do Setor de Produção
- Implantação e Implementação de um Laticínio completo, inclusive com laboratório de análise, com capacidade de atender as famílias produtoras de leite bovino de todos os assentamentos da região, produzindo queijos, muçarela, manteiga, bebida láctea, iogurte e leite em saquinho.
- Formação de uma equipe multidisciplinar de gestão do laticínio com representantes de todas as associações interessadas, de maneira a buscar a formação e consolidação de um processo futuro de organização de uma cooperativa mista.
- Elaboração de um dossiê relatando os processos históricos que aconteceram na trajetória dos assentamentos, projetos ligados à produção, de maneira a não se repetir os erros do passado.
- Realizar um levantamento dos materiais, equipamentos, veículos e outros recursos que foram destinados ao antigo laticínio que veio a falência e registrar os materiais sem condições de uso e os que possam ainda ser utilizados no novo laticínio.
- Adequação dos editais do PNAE e PAA para receber os produtos lácteos dos assentamentos e comunidades tradicionais, sejam individuais ou do laticínio
- Apoio a implantação de queijarias individuais com objetivo de se obter o Selo Art.
- Desburocratização e apoio às iniciativas de legalização sanitária de todos os produtos de origem animal e vegetal dos assentamentos e comunidades tradicionais do Pantanal.
- Elaboração de projetos de abatedouro de pequenos animais e cozinhas industriais.
- Implantação do Mercado do Produtor
Encaminhamentos do Setor de Educação
- Implantação e implementação no Assentamento Taquaral, Agrovila 3, de uma Escola Agroecológica e Agrotécnica de Ensino Médio em Regime Alternância que se fundamente por atender os princípios da Educação do Campo, podendo ter potencial de atender projetos de Formação Superior de Universidades parceiras.
- Atendimento com alojamentos e transporte a estudantes de áreas distantes em outros assentamentos ou regiões do Pantanal.
- Educação Integral para o mundo do trabalho e a cultura camponesa, tomando como elemento principal de formação em agroecologia e agrotécnica o polo agroindustrial que deverá ser acoplado às práticas educacionais e de gestão cooperativista, e, tomando como campo experimental os lotes da Reforma Agrária dos/as estudantes ou espaços das Comunidades Tradicionais do Pantanal conforme as aptidões locais.
- Adequação e reformulação dos PPP das escolas municipais de ensino fundamental dos assentamentos e comunidades tradicionais.
A necessidade de avançar na organização camponesa para romper com as opressões!
A Organização Popular Terra Liberta e a FOB celebram esse encontro com a luta camponesa e sindical de Corumbá. Os desafios organizativos são tremendos e não são por acaso. É proveitoso para os patrões e governos que o povo não se mobilize. Por isso este seminário tem um papel fundamental reacender a chama do lampião que é o povo em movimento. O seminário se efetiva quando se torna parte de um processo. Onde as canetas que desenham encaminhamentos viram enxadas empunhadas em protesto. Da reflexão para a ação.
Assim, reafirmamos que a solidariedade entre a classe trabalhadora não deve ter fronteiras. Que nossa movimentação demonstra nossa aliança estratégica para o autogoverno do povo: Da caatinga ao pantanal, do campo à cidade. Atravessamos geografias carregando um novo mundo em nossos corações