Através deste comunicado iniciamos uma série de campanhas e denúncias sobre a luta dos povos originários, camponeses e trabalhadores frente à violência e o terrorismo estatal-empresarial. O contexto de aprofundamento do saque colonial, que dirige um processo de espoliação e esgotamento da terra, exige mantermos a memória viva e fortalecer laços entre os povos do mundo, que nos ensinam a resistir às mesmas forças que fincaram suas garras de morte sobre os territórios livres da América Latina. Apresentamos hoje nossa singela homenagem aos mártires de Ayotzniapa e introduzimos nossas demandas para construir uma campanha pela libertação de Leonardo de Souza, preso político Guarani Kaiowá e pai de Clodiodi, tombado em 2016 em ataque dos latifundiários contra território ancestral recuperado em Caarapó, Mato Grosso do Sul. O próximo comunicado da série será o lançamento original da campanha. Nossa história é uma história de chacinas provocadas pelos ricos e pelos donos do poder, mas é também uma história de solidariedade e resistência anticolonial viva e fértil.
AYOTZINAPA VIVE, LA LUCHA SIGUE!
Em 02 de Outubro de 1968, na Cidade do México, ocorreu a chacina que ficou conhecida como o Massacre de Tlatelolco. Na ocasião, fazendo coro aos levantes do Maio de 68, milhares de manifestantes ocuparam as ruas da capital mexicana para protestarem contra os desmandos do necrogoverno de Gustavo Ordaz. Aproveitando a visibilidade que os Jogos Olímpicos daquele ano traria para o país, o povo se rebelou e foi para as ruas reivindicar liberdade de expressão e lutar contra a repressão política que assolava o México. Ao final do dia, sob ordens explícitas do então presidente, as forças de repressão – inclusive com a presença de franco atiradores devidamente posicionados – atacaram todos que estavam na Praça das Três Culturas, deixando um saldo de mortes até hoje impreciso, passando da casa de duas centenas.
Quarenta e seis anos depois, na noite de 26 de setembro de 2014, mais uma vez o solo mexicano (e porque não o solo latino-americano) era tingido de sangue. Naquela sexta-feira, os estudantes da Escola Normal Raúl Isidro Burgos, em Ayotzinapa, se preparavam para mais uma ação de retenção de ônibus de empresas privadas, para que os levassem até a Cidade do México, a fim de participarem das manifestações em memória de todos aqueles que foram executados pelas mãos do Estado opressor e repressor em 02 de outubro de 1968.
A prática da retenção de ônibus de empresas privadas é recorrente todos os anos, sempre com a finalidade de acessarem a capital do país para participarem de atos políticos. No entanto, para 43 jovens que saíram da Normal de Ayotzinapa, a viagem terminou na cidade de Iguala, há poucas horas de cidade de origem. Vítimas de uma emboscada arquitetada pela polícia, os estudantes foram brutalmente assassinados e tiveram seus corpos desaparecidos. Até hoje, seis anos depois, somente três restos mortais foram reconhecidos, estando – ainda – 40 corpos desaparecidos.
O jornalista italiano Federico Mastrogiovanni, abre o seu livro Los 43 de Ayotzinapa com a seguinte fala de um dos sobreviventes:
“Meu nome é Omar Garcia, sou estudante da Normal de Ayotzinapa. Sou sobrevivente da noite de 26 de setembro. Nos últimos meses de 2014 Ayotzinapa deixou de ser um lugar para converter-se melhor em uma ideia, o símbolo de setembro de 2014 já é uma destas datas que não necessitam que se especifique o ano porque todo o mundo sabe e tem que saber do que se trata. Como o 2 de outubro, que é sinônimo de repressão. Ou como o 1 de maio, que quer dizer justiça social. 26 de setembro quer dizer desaparição forçada!”
Fazendo jus ao internacionalismo proletário e dos povos, nesta data relembramos: assim como Ayotzinapa se converteu em uma ideia e o dia 26 de setembro se tornou um símbolo, assim também se deu com a Terra Indígena (TI) Dourados-Amambaipeguá I, em Caarapó, no dia 14 de junho de 2016. Neste dia, milícias armadas a mando de latifundiários abriram fogo contra os moradores do Tekoha Toro Paso, vitimando o agente indígena de saúde Clodiodi Aquileu Rodrigues de Souza e deixando outros seis feridos, inclusive uma criança de 12 anos. Após quatro anos do Massacre de Caarapó, os Kaiowá e Guarani da região continuam sofrendo perseguições e ameaças dos fazendeiros e seus lacaios. Os assassinos de Clodiodi estão todos soltos e o seu pai, Leonardo Souza, está preso no Presídio Estadual de Dourados, acusado injustamente de crimes que não cometeu. Recentemente, a morte de Jesus de Souza, seu outro filho – irmão de Clodiodi – aprofunda a necessidade de fortalecermos a luta pela libertação de Leonardo. Assim como as mães dos mártires de Ayotzinapa clamam pela justiça de seus filhos, devemos seguir o clamor da mãede Clodiodi, da viúva de Jesus e de seus filhos. No próximo comunicado da série, apresentaremos a carta produzida pela comunidade da retomada Kunumi Poty Verá, onde está enterrado Clodiodi, apresentando oficialmente a campanha de libertação.
Que jamais nos esqueçamos de todos os mártires dos povos originários! Que a memória dos jovens desaparecidos no México, a memória de Clodiodi e Jesus de Souza, pela liberdade de Leonardo e de todos aqueles que são perseguidos e mortos nas periferias das cidades e no campo, estejam presente em nossas lutas e caminhadas!