Morte no Quilombo (SC): A Polícia mata, a Mídia mente e a Justiça se omite

Morte no Quilombo (SC): A Polícia mata, a Mídia mente e a Justiça se omite

seção popular do Sindicato Geral Autônomo de Santa Catarina

“É pra quem sobrevive né mano
É tentar conviver com a certeza emocional e pá
Tá sempre batendo de frente com os familiares dos caras
Né mano, e sempre que eu sair pra descer pra praça
Eu vou passar por aquela esquina, tá ligado, e seguir em frente” (Ghetto Zn)

Em 23 de Outubro de 2020, mais uma vida foi ceifada pelas mãos da polícia na comunidade do Morro do Quilombo, cidade de Florianópolis. Marcos Paulo Padilha, conhecido na comunidade como Babão, foi executado pelo Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) com um tiro de fuzil nas costas. Marcos tinha 15 anos e morreu no local, pois a polícia impediu que ele fosse socorrido.

A mídia tradicional local noticiou a execução como um “confronto entre a polícia e suspeitos de envolvimento com o tráfico de drogas”. Porém, a imprensa apareceu apenas para tirar fotos e não coletou relatos de moradores, que afirmam que Marcos foi baleado pelas costas quando estava voltando da casa da avó, e não estava armado. Para consumar sua ação criminosa, o BOPE não liberou a saída da ambulância que tentava prestar socorro a Marcos, mesmo com o apelo dos moradores. Foram mais de duas horas de espera até que a ambulância pudesse deixar o local, quando já era tarde. Por sua vez, a polícia afirma ter agido em legítima defesa, mas os relatos de policiais são desconexos inclusive entre eles: em um relato afirmam que Marcos teria atirado contra a viatura, e em outro mudam a própria versão dizendo que o menino estava armado e “só não atirou porque não teve tempo”.

Toda essa violência policial gerou a revolta na comunidade, que já perdeu o segundo jovem em seis meses pelas mãos da polícia e da política genocida do Estado. A raiva gerada acabou tomando a forma de protesto durante a madrugada do dia 24 de outubro, quando foi confirmada a morte de Marcos. Montaram barricadas ao longo das vias e também na entrada da comunidade, na Rodovia Amaro Vieira. Cerca de 40 moradores entraram madrugada adentro com gritos de ordem clamando por justiça e paz, e foram novamente reprimidos pela força policial, que, sem identificação, buscou encerrar a manifestação com o uso de violência. Homens e mulheres, inclusive com crianças de colo, tiveram que correr e se esconder, pois além de não ter sua vida respeitada, tiveram seu direito de manifestação impedido pela truculência policial.

No sábado aconteceu o velório de Marcos na Assembleia de Deus do Morro do Quilombo, onde houveram homenagens e pedidos de justiça. Cartazes foram colados em frente à igreja, onde a comunidade compareceu em peso para se despedir do menino cuja vida foi interrompida de forma brutal pelo BOPE. No domingo, após o enterro, houve nova manifestação na Rodovia Amaro Vieira, onde uma multidão se fez presente para cobrar justiça e o fim das operações policiais na comunidade, que já se estendem por meses e não apresentam nenhuma justificativa para tal.

Neste pacto estatal macabro onde a polícia mata, a mídia esconde e a justiça, via Ministério Público, faz vista grossa, o genocídio prossegue e a morte do jovem Marcos se torna apenas mais um número. Neste ano de 2020 a polícia em Florianópolis assassinou cerca de 11 jovens até o mês de junho, jovens estes que tinham em média de 15 a 24 anos de idade. Na maior parte dos casos, o testemunho dos policiais foi desmascarado pelo relato de familiares e de moradores, que os acusam de mentir sobre existência de confronto com “troca de tiros”, e de implantarem armas após as execuções.

Para além de mascarar execuções e alterar a cena do crime, o que é caracterizado como fraude processual, há o procedimento recorrente de impedimento de prestação de socorro às vítimas. Tal procedimento se repetiu no caso do jovem Marcos e é constatado nos relatos de moradores de outras comunidades que tiveram jovens assassinados pela PM em Florianópolis.  Assim como o jovem covardemente assassinado no Morro do Quilombo, boa parte das vítimas morreu agonizando no chão de suas comunidades, tendo seu sofrimento assistido por familiares e moradores que foram cruelmente impedidos de chegar perto de seus filhos, amigos, amores e vizinhos baleados.

Claramente há a repetição de um padrão operacional que inclui assassinatos premeditados, fraude processual e muito sadismo. Mas devemos ter em mente que essa realidade chega a ser muito pior, pois sabemos que outros jovens assassinados, como Guilherme da Silva dos Santos (21 anos), Matheus Cauling dos Santos (17 anos), Derick da Luz Waltrik (17 anos), Walace Indio Farias (18 anos), Wellinton Jonatan da Silva (21 anos), Shilaver da Silva Lopes (22 anos), Yure Esquivel da Rosa (17 anos), Lucas Pereira da Silva (21 anos), Everton da Rosa Luz (22 anos), Leonardo Leite Arruda Alves (18 anos), Marlon Leite Arruda Alves (15 anos) e Jonatan Cristhof do Nascimento (24 anos), são apenas alguns dos poucos casos registrados. A polícia mata não só oficialmente, mas também clandestinamente e fora do horário de “serviço”.

Como é de se esperar, mesmo nos poucos casos em que policiais vão à júri, a injustiça impera, como se pode constatar na reportagem “Epidemia de execuções: PM catarinense mata 85% a mais no isolamento social” que foi publicada no Ponte Jornalismo. A reportagem afirma que “Apesar de não termos indicadores de investigação desses casos em Santa Catarina, uma pequena amostragem sinaliza que a capital do estado não foge à regra. Desde 2010, apenas dez processos por homicídio ou tentativa de homicídio envolvendo policiais foram distribuídos ao Tribunal do Júri da Comarca da Capital, dois deles por crime tentado. (…) Dessa lista, dois foram arquivados ainda em fase de inquérito policial; dois não foram considerados puníveis, um por morte do agente e o outro por ausência de autoria; quatro foram absolvidos sumariamente antes de seguir a Júri, e apenas dois estão em andamentos. Em dois casos de absolvição sumária, a acusação entrou com pedido de recurso”.

Como se não bastasse a perda de um ente querido, a omissão da “Justiça”  e as mentiras da mídia, os parentes e amigos do jovem Marcos são obrigados a se deparar com insultos à sua memória em comentários feitos por internautas em matérias mentirosas da mídia local. Comentários como “Parabéns à polícia, um a menos para incomodar!”, “Quando a polícia de SC terá atiradores de elite com armas adequadas e treinamento?” selam a série de injustiças a que essas pessoas estão submetidas.

A experiência cotidiana nos mostra que não podemos confiar em nenhum governo, pois todas as leis possuem o objetivo direto ou indireto de reprimir, matar e criminalizar os trabalhadores e trabalhadoras pobres na cidade e no campo. Nessa situação de avanço da política de ódio aos pobres, é direito do povo se defender. É obrigação das organizações da classe trabalhadora não só estimular a criação de políticas de autodefesa (das mais recuadas às mais avançadas), como também lutar para garantir o acesso à serviços de assistência jurídica, psicológica e direitos básicos, como moradia digna e direito de ir e vir nos locais de moradia, trabalho e estudo. Na medida em que se aprofunda a crise no Brasil e a retirada de direitos, haverá crescimento da pobreza e consequentemente mais repressão nas comunidades. Portanto, é inevitável o aumento dos ataques no próximo período, e para isso devemos estar unidos e preparados.

AVANTE A RESISTÊNCIA CONTRA O GENOCÍDIO DA JUVENTUDE NEGRA E PERIFÉRICA!

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