No dia 28 de janeiro, quinta-feira, o Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) – estrutura descentralizada do Subsistema Atenção à Saúde (SasiSUS) -, localizado em Campo Grande (Mato Grosso do Sul), foi ocupado pelos povos Guarani, Kaiowá, Terena e Kadiwéu, com uma série de reivindicações centrais: 1) contra o colapso na saúde indígena e a política de morte do Estado; 2) resolver a falta de insumos e se posicionar frente as demissões em massa que vêm ocorrendo, que leva a falta de profissionais da saúde indígena para atender as aldeias; 3) reivindicar a vacina para todos indígenas no MS, inclusive nas áreas de retomada e aldeias urbanas; 4) melhorias estruturais no DSEI; 5) exigir a imediata exoneração do atual Coordenador do DSEI-MS, Joe Saccenti Junior – que também foi Grande Secretário Estadual de Administração da Loja Maçônica do MS -, coronel da reserva indicado por Bolsonaro e Pazuello.
Para compreender as motivações da ocupação, apresentamos uma breve contextualização das últimas circunstâncias que conduziram ao completo colapso da saúde indígena no MS. O necro-estado brasileiro, cumprindo sua agenda etnocida, escancara o seu racismo institucional dando continuidade no processo de desmonte da Saúde Indígena. Especificamente no estado de Mato Grosso do Sul, os ataques vêm causando estragos irreparáveis para quem de fato depende de uma atenção diferente daquela dispensada aos não-indígenas. Não bastasse os povos indígenas passarem por toda uma série de violações de direitos básicos, a exemplo da frequente ameaça de municipalização da Saúde Indígena – proposta por Mandetta, médico e ruralista que participou da execução do mártir Simião Vilhalva em 2015 -, mais recentemente vem sentido os efeitos do desmonte do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SASI/SUS), criado em 1999, após décadas de lutas e reivindicações destes povos para que pudessem conquistar um atendimento à saúde mais justo e equânime, que levasse em consideração suas especificidades etno-culturais, organizativas e seu protagonismo político.
Dentre as várias investidas do governo federal contra o SASI/SUS, ocorreu no ano de 2020 a nomeação do coronel da reserva Joe Saccenti Junior para o cargo de coordenador do Distrito Sanitário Especial Indígena (DISEI) do MS, no mês de setembro. O DSEI/MS é responsável pela Saúde de mais de 80 mil indígenas no estado, e ter um coronel em sua coordenação reflete bem a política de extermínio do governo Bolsonaro. É na mesa deste coronel que chegam e partem as demissões que atingem os trabalhadores da saúde dos 15 Polos Base de Mato Grosso do Sul, dentre estes Polos está o de Dourados, o maior Pólo Base em número de indígenas atendidos no Brasil, com um quantitativo de 18 mil indígenas.
No final de 2020, e primeiros dias do ano de 2021, o número de demissões aumentou, defasando ainda mais a atenção dispensada aos indígenas. Demissões que ocorrem em um momento que a pandemia de Covid-19 deixa um lastro de mais de 220 mil mortos, dentre os quais 939 são indígenas (conforme dados do Instituto Socioambiental). Entre os demitidos tem trabalhadores indígenas e não-indígenas, servidores que são imprescindíveis, como é o caso da companheira Paula, psicóloga do Polo Base de Amambai e da companheira Indianara Kaiowá, enfermeira e coordenadora técnica do Polo Base de Dourados. Soma-se a estes casos, a situação da companheira Liliane, enfermeira da Divisão de Atenção a Saúde Indígena no DSEI/MS. Todas elas mulheres, extremamente comprometidas com a Saúde Indígena e que demoraram anos para construir uma relação de confiança com a comunidade. Estes três casos exemplificam o quão nefasto é o Estado no trato com o povo.
Desde o início da ocupação da DSEI-MS ficou claro que esta permaneceria até a remoção do coordenador Joe Saccenti. Através da ação direta, houveram alguns avanços para a reivindicação. A ocupação, que reuniu 4 etnias indígenas do MS rebelados contra a administração da saúde indígena no Estado no grave cenário pandêmico, durou 2 dias e forçou a presença do Secretário da SESAI, Robson Santos da Silva, também militar. Foi em sua gestão que morreram quase 1000 indígenas de COVID-19, segundo levantamento independente da APIB. Os dados da SESAI falam em apenas 544, demonstrando clara omissão e subnotificação. Importante lembrar a atuação do governo que, propositalmente, estimula o garimpo, ação de igrejas e missionários, avanço do agronegócio e outras forças potencialmente infecciosas. Além disso, para reprimir os povos em luta na ocupação do DSEI, Robson da Silva enviou a Polícia Federal – a mesma que assassinou Oziel Terena – para ameaçar os combatentes presentes.
Durante a ocupação foram relatadas diversas situações graves deste cenário, dentre eles a dificuldade de os povos indígenas conseguirem reuniões dentro do DSEI-MS para colocarem suas reclamações e falarem das situações que estavam passando em suas localidades, sendo os poucos encontros com o coordenador Joe Saccenti marcados pela violência racista por parte do próprio coordenador. Foram relatados, ainda, casos em que as pessoas se encontravam desesperadas a beira da estrada com parentes indígenas morrendo sem qualquer acesso a saúde acessível no local, devido a falta de comunicação adequada e de carros disponíveis para realização de tratamento médico local. Entre outras situações críticas na área de saúde, especificamente sobre a vacina, os povos indígenas presentes relatam a falta de planejamento por parte do Ministério da Saúde em relação a segunda dose da vacina, a falta de vacinação aos povos indígenas em situação urbana e a falta de previsão de vacinação aos/as indígenas em áreas de retomada.
Finalizamos o texto com uma saudação à ocupação do DSEI, que avançou para a conquista de diversos pontos exigidos pelo movimento indígena. Entretanto, destacamos que, como esperávamos, as promessas vazias do secretário Robson da Silva não foram encaminhadas, a exemplo de sua garantia de que o atual coordenador seria afastado até a manhã de terça-feira, dia 2 de fevereiro, com publicação no Diário Oficial. Isso não aconteceu e, como se não bastasse, os militares da secretaria e coordenação do DSEI e SESAI atuam para dividir o povo, colocando uma comunidade contra a outra. Robson da Silva engana os povos indígenas e causa divisionismo nas aldeias, desconsiderando absolutamente a voz da Aty Guasu, da Kuñangue Aty Guasu, da Retomada Aty Jovem – grandes assembleias do povo Guarani e Kaiowá – e o Conselho Terena. Não podemos ceder frente às mentiras do Estado!
A averiguação das demissões arbitrárias baseadas na perseguição política dos demitidos é colocada em dúvida através de discursos de suposta “justa causa”, quando na realidade são demissões arbitrárias e políticas. Entre as conquistas concretas, até o momento, destacam-se o atendimento garantido às aldeias urbanas e reestruturação das comissões locais para avançar na autogestão da saúde indígena. É preciso barrar imediatamente a política de extermínio levada a cabo pelo governo federal e seus militares no poder de órgãos estratégicos, inclusive na presidência da FUNAI. Junto com Joe, Robson também deve cair e dar lugar à autonomia da gestão indígena na saúde indígena, assumida por representantes dos conselhos de base dos povos atendidos com base nas orientações de suas próprias autoridades espirituais.
É preciso mantermos a chama da ocupação acesa para que a luta não seja em vão, e não ceder frente as práticas de cooptação e divisionismo causadas pelas instituições dominadas pelo agronegócio e pelos militares. AVANTE OS POVOS INDÍGENAS DO MATO GROSSO DO SUL! O DSEI É DOS POVOS!
VIVA A OCUPAÇÃO DO DSEI! VIVA A LUTA AUTÔNOMA E COMBATIVA DOS POVOS INDÍGENAS!
DSEI E SESAI PARA OS POVOS! FORA MILITARES E GENOCIDAS DO PODER!
TERRA E LIBERDADE!