Contribuição ao 2º ENOPES
2017
Configuração da questão agrária e relações de classes no campo hoje no Brasil.
O agronegócio e a expansão do capitalismo no campo é uma atividade estratégica para a atual acumulação capitalista no Brasil e no mundo, sendo por isso estratégico também para a desestabilização do poder do capital e suas formas de opressão. Esse processo de expansão se manifesta atualmente tanto na luta pela terra e território, nas lutas contra a superexploração dos assalariados e no controle dos recursos naturais. Essa expansão tende a intensificar os conflitos no campo, portanto, na atual conjuntura renova‐se a importância da questão agrária e ambiental, tema central da luta anticapitalista.
O agronegócio é um ramo da economia capitalista que envolve diversos setores na produção, compra e distribuição de produtos agropecuários, seus agentes concretos não se resumem a grande burguesia rural proprietária de terras, mas também as indústrias de insumos, máquinas e equipamentos, dentre as transportadoras e outras. Hoje o agronegócio representa a geração de U$ 6,5 trilhões/ano no mundo e, no Brasil, em torno de R$ 350 bilhões, ou 29% do PIB, segundo a Confederação Nacional da Agricultura (CNA). Além disso, o Brasil é líder mundial de exportação de açúcar, café, suco de laranja e soja. Assumiu também a dianteira nos segmentos de carne bovina e frango, depois de ultrapassar tradicionais concorrentes, como Estados Unidos e Austrália.[1]
Apontado por muitos economistas como a galinha dos ovos de ouro do país, o agronegócio remonta na verdade as relações do desenvolvimento dependente da economia brasileira em relação às demandas do imperialismo Norte Americano e agora Chinês (principais países importadores de commodities agrícolas brasileiras) fixadas pela divisão internacional do trabalho (DIT), e está calcada na superexploração dos trabalhadores brasileiros.
Tal processo se consolida sobre a grande concentração fundiária, responsável pela desigualdade social no campo e da superexploração do trabalho (expandindo sobre a produção tecnológica e mecanizada o trabalho escravo, o uso de drogas pesadas etc.). Os dados do IBGE do Censo agropecuário 2006, mostram a evolução histórica do Índice de Gini no Brasil, utilizado para medir os contrastes na distribuição do uso da terra, e demonstram que, no geral e ainda hoje, em várias unidades da federação a concentração de terra é alta ou altíssima: menor de 0,664 em Roraima e maior de 0,871 em Alagoas (quanto mais próximos de 1, mais alta é a concentração). Em termos gerais, ele mostra a histórica desigualdade de acesso à terra no campo no Brasil, coisa que se manteve na Era lulopetista. É importante ressaltar que em cerca de 2/3 dos estados brasileiros houve aumento da concentração fundiária durante o período de 1995 a 2006.
Partimos do entendimento de que a questão agrária brasileira possui como contradição principal a concentração fundiária. As características da concentração fundiária modificaram‐se com a maquinização e tecnificação acelerada do campo, predominância do urbano sobre o rural, ampliação do número de assalariados, aumento do desemprego etc., porém, a análise da configuração de classes no meio agrário ainda nos sugere uma continuidade dos conflitos pela terra como aqueles de maior relevância quantitativa e qualitativa para operar transformações revolucionárias junto à classe trabalhadora rural. Tal fato, porém, não reduz a importância política que a fração assalariada rural (hegemonicamente marginalizada) vem ganhando na luta de classes e na economia brasileira, através do avanço do agronegócio, das monoculturas da soja, cana etc.
Durante a última década de macroeconomia neoliberal, levado a cabo com políticas mescladas de neodesenvolvimentismo pelo governo do PT (Lula e Dilma), ocorreu uma verdadeira política de “contra‐reforma agrária”. A contra‐reforma agrária não significa o abandono por completo da distribuição de terras aos trabalhadores rurais e demais políticas como crédito agrícola etc. A contra‐reforma agrária significa que os conteúdos levantados historicamente pelos movimentos camponeses em nome da reforma agrária foram subvertidos e, na busca pela sua realização através de políticas de Estado e ações legais/institucionais, desenvolveram sua própria negação. A contra‐ reforma agrária é a política do Estado burguês que visa satisfazer a demanda imediata por terra (assentamentos em áreas marginais, evitando tensões maiores), garantindo a estrutura da concentração fundiária e exploração capitalista. A estratégia da burguesia é desviar as ações e aspirações dos camponeses (e seus movimentos) por terra, trabalho e liberdade para as vias do Estado, desmobilizando estes movimentos em disputas institucionais e pragmáticas por migalhas.
Configuração da classe trabalhadora rural: Proletariado marginal e campesinato.
De acordo com o Censo 2010, o Brasil possuía naquele ano 190.732.004 habitantes, dentre estes 29.830.007 (15%) vivem em áreas rurais. O Nordeste concentra a maior porcentagem desta população, chegando aos 15 milhões de habitantes, e é seguido pelo Sudeste e por último o Centro Oeste. O período de transição entre as décadas de 60 e 70 marcou o processo de superação da população urbana sobre a população rural. Este período é marcado pela “revolução verde”/modernização conservadora do campo.
O agronegócio, importante setor produtivo brasileiro na DIT, que na última década bateu recorde, baseou seu desenvolvimento em dois pilares fundamentais: i) o apoio direto do Governo Lula em termos de legislação e política financeira, ii) mas principalmente no aprofundamento das relações precárias de trabalho. Tais relações precárias são responsáveis pelo desenvolvimento de uma fração fundamental para o processo de acumulação flexível do capital no campo: o proletariado marginal. Este é formado pelos trabalhadores informais, temporários, terceirizados e precarizados e aqueles excluídos totalmente do mercado de trabalho. O campesinato também ocupa um grande peso entre o proletariado rural. O que importa é que tal fração amplia o lucro capitalista devido aos baixos salários e a negação dos direitos mais básicos de existência.
Os dados da PNAD 2008 (IBGE) mostram que o emprego temporário e a flexibilização das relações trabalhistas são um elemento estruturante do mercado de trabalho agrícola: este responde por 43% do total do proletariado rural. Além disso, mesmo entre os empregados permanentes, o número de trabalhadores que não possuem carteira assinada é altíssimo (44,11%), demonstrando a fragilidade política e econômica destes empregados permanentes, que não possuem direitos sindicais, previdenciários etc. A predominância da força de trabalho baseada nos trabalhadores temporários e sem carteira assinada sintetiza algumas das características ainda dominantes na área rural: sazonalidade das ocupações, relações de trabalho flexíveis e instáveis, baixos salários, trabalho braçal e extenuante e péssimas condições de trabalho. São indicadores do aprofundamento da superexploração dos assalariados rurais.
Em 28 de dezembro de 2007, foi editado pelo Governo Lula/PT (em parceria com entidades como a CONTAG) a MP 410, aprovada pela Câmara dos Deputados em 09/04/2008. A MP 410 prevê a suspensão da exigência da assinatura da carteira de trabalho para os assalariados rurais por até dois meses. Tal medida provisória obviamente faz parte deste movimento do capital de precarização e flexibilização das relações de trabalho. O que não surpreende, é que tal medida pró‐agronegócio, teve apoio aberto da CONTAG e da CNA. Esta primeira argumentou que “considera que a MP é um importante instrumento de inclusão social”, enquanto que a entidade patronal também defendeu a MP 410 vendo nesta uma medida de “desburocratização” das relações de trabalho que busca, sobretudo, “a legalização do setor rural, considerando a especificidade do mesmo”. Ou seja, a flexibilização e precarização das relações de trabalho é um processo que ocorre com a força não só dos “ruralistas”, mas também da burocracia sindical – outros exemplos poderiam ser usados para provar tal política colaboracionista.
Mesmo sendo a produção agrícola um dos mais lucrativos setores da economia brasileira, grande maioria da população rural vive na miséria, com baixo rendimento per capita e, consequentemente, elevada concentração de renda. Segundo análises do IPEA: “Em cerca de ¾ dos domicílios, onde viviam aproximadamente 80% de toda a população residente em áreas rurais, a renda domiciliar per capita era inferior ou igual a um salário mínimo, segundo o valor vigente em 2008. Na área urbana, essa faixa de renda abrangia 46,35% dos domicílios. ” (IPEA, primeiras análises do PNAD 2008 – setor rural, p.8).
O peso quantitativo do campesinato nas relações de trabalho no meio agrário brasileiro: mesmo em 2008, mais da metade da classe trabalhadora agrícola está fora de qualquer relação de assalariamento, ou seja, é apenas mais uma demonstração de como o desenvolvimento desigual e combinado do capital (re)cria nos países semiperiféricos como o Brasil relações de trabalho não‐assalariadas, camponesas, para garantir sua própria reprodução ampliada. O agronegócio associa também a produção camponesa de forma subordinada à grande produção do agronegócio, e às indústrias de melhoramento de grãos, bem como utiliza o trabalho temporário de camponeses, indígenas e quilombolas de maneira precarizada.
A política agrária no governo do PT (Lula‐Dilma)
A eleição do Lula (PT) em 2002 foi possível devido a aliança estabelecida com setores da burguesia nacional. Assim, construiu acordo com a burguesia rural, especialmente com União da Indústria de Cana‐de‐Açúcar (UNICA). Não por acaso, o Ministro da Agricultura foi Roberto Rodrigues, dirigente da entidade. Esta foi uma aliança estratégica para manutenção do governo no período. Porém, a vitória de Lula/PT contraditoriamente despertou uma série de ilusões nos movimentos sociais que haviam sustentado sua candidatura, imaginando que este governo faria a reforma agrária. No início do governo foi confiado a Plínio de Arruda Sampaio (então no PSOL) a elaboração do II Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), porém, tal plano foi recusado sob o juízo de ser muito “radical”, sendo apresentado outro pelo governo Lula/PT com números muito mais reduzidos.
A apuração feita pelo observatório DATALUTA revela que Lula cumpriu (de 2003 a 2006 – primeiro mandato) apenas 48,1% da meta de assentar 400 mil novas famílias (previstas no II PNRA) ou, em dados absolutos, 192.257. Desmentindo relatórios falaciosos do INCRA que apresentavam números irreais dos assentamentos no primeiro mandato de Lula. Além disso, no período de 2003 a 2005, somente 25% das famílias foram assentadas em terras desapropriadas de latifúndios. A maioria das famílias foi assentada em assentamentos antigos, em assentamentos que já existiam ou em terras devolutas (públicas). Portanto, os números apresentados pelo governo, como a maior reforma agrária de todos os tempos, não condizem com a realidade.
No final do segundo mandato de Lula, o INCRA divulgou um relatório datado de dezembro de 2010, onde o órgão apresenta um balanço de oito anos de políticas de reforma agrária de Lula. Porém, como fez anteriormente, o órgão deturpou os números em benefício do governo. Segundo este balanço, em oito anos o volume de terras para reforma agrária cresceu 129%, dando um salto de 21,1 milhões de hectares de terras obtidos entre 1995 e 2002 para 48,3 milhões entre 2003 e 2010. Ainda segundo o relatório do INCRA: “O número de famílias beneficiadas também aumentou ao longo de oito anos, chegando às atuais 614.093. No mesmo período, foram criados 3.551 assentamentos. Atualmente, o Brasil conta com 85,8 milhões de hectares incorporados à reforma agrária, 8.763 assentamentos atendidos pelo INCRA, onde vivem 924.263 famílias”. Se tais dados fossem verdadeiros, isso significaria que Lula teria garantido 56% do total de 85,8 milhões de hectares incorporados à reforma agrária em toda a história do país.
Segundo verificou Ariovaldo U. de Oliveira, quase um terço (26,6%) das famílias assentadas pelo governo Lula/PT é, na verdade, constituído por famílias que já viviam e trabalhavam no meio rural, porém, sem título de propriedade. O que o governo fez foi dar o título e incluir nos programas de apoio à agricultura familiar. Foram também adicionados à coluna de “novos assentamentos” casos de famílias que ocuparam lotes abandonados em áreas de reformas já existentes. Pelas contas de Oliveira, eles representam 38,6% do total: “Isso é reordenação fundiária e não deveria aparecer na coluna de novos assentamentos”. Concluindo, os novos assentamentos representam apenas 34,4% do total registrado de 2003 a 2009. Isso significa, em relação ao número divulgado pelo INCRA, que foram assentadas 211 mil novas famílias, e não 614 mil.
Ainda segundo Oliveira, quando se desdobra o total de 48,3 milhões de hectares destinados à reforma agrária no governo Lula, verifica‐se que somente 4,5 milhões (9,3%) foram obtidos com desapropriações de propriedades privadas. O grosso das terras (43,3 milhões de hectares) eram devolutas, localizadas sobretudo na região Norte. Este ponto é sem dúvida um dos mais importantes a serem analisados, pois significa a simples colonização de novas e distantes áreas rurais por assentamentos (na maioria das vezes sem infraestrutura, saneamento, etc.) não modificando verdadeiramente a estrutura agrária, apenas serve como política compensatória e desmobilizadora.
O primeiro mandato do governo Dilma/PT não parece apresentar diferenças estruturais quanto aos governos anteriores, mas ao contrário, o que tudo indicou foi que a dita “reforma agrária” pelas vias institucionais e legalistas foi ainda mais capenga, tendendo a fortalecer a produção agrícola primário‐exportadora do agronegócio. Em 2011 apenas 6.203 famílias foram assentadas, sendo que a meta oficial para o mesmo ano era de assentar 40 mil famílias. Uma verdadeira farsa!
Frente a escancarada realidade de redução de assentamentos neste governo Dilma/PT, quando questionado sobre os poucos assentamentos no ano de 2011, o presidente do INCRA, Celso Lacerda, afirmou que: “O que adianta criar assentamentos e não dar estrutura, crédito, assistência técnica? ”[2]. Porém, uma análise da política petista (Lula‐Dilma) quanto ao financiamento dos setores agrícolas demonstra a contradição flagrante das afirmações do presidente do Incra.
Primeiramente, cabe alertar que, em sua história, o Governo Federal nunca deu tantos subsídios à agricultura como fez o Governo Lula/PT. Em 2010, a agricultura brasileira obteve financiamento de 114 bilhões de reais, sendo que cerca de R$ 100 bilhões foram destinados ao agronegócio e o restante, apenas 14 bilhões, foi destinado a agricultura familiar. Apenas os usineiros (onde se encontra a grande burguesia da cana‐de‐açúcar), que foram carinhosamente chamados por Lula de “heróis nacionais”, receberam do BNDES mais de R$ 28 bilhões.
O setor do agronegócio foi bastante beneficiado no governo Lula, em termos de rentabilidade, de perdão de dívidas e em comparação à sua importância econômica e de outros programas de compensação de renda, como o Bolsa Família e repasses do MDA à políticas de crédito agrícola, etc. Além disso, apesar de muito inferiores em relação ao financiamento do agronegócio, as recentes políticas de financiamento da “agricultura familiar” caminham cada vez mais para a tentativa de criar um setor camponês privilegiado, “diferenciado”, uma pequena e média‐burguesia no meio rural. Esta tentativa aparece sobre o discurso de que os assentamentos e os camponeses devem ter “planejamentos racionais e eficientes” e tem como foco estratégico a integração de um setor do campesinato às cadeias produtiva do agronegócio, e a marginalização da ampla maioria.
Insustentável exploração ambiental para acumulação de capital
No que tange a questão ambiental, em 2009 o governo Lula editou a medida provisória 458 (conhecida também como “MP da grilagem”), regularizando 400 mil propriedades irregulares na Amazônia com até 1.500 hectares. Essas propriedades correspondem a 67,4 milhões de hectares de terras públicas, avaliados em R$ 70 bilhões. Rapidamente aprovada no Congresso Nacional ela foi fruto da pressão de madeireiros e grileiros, sem, no entanto, encontrar muita resistência por parte dos movimentos populares governistas. Esta medida provisória encontra muitas similaridades com a última alteração no Código Florestal, confluindo na verdade em uma mesma política de expansão da fronteira do agronegócio na Amazônia brasileira.
Há também uma relação direta entre o número de focos de incêndio e aumento do desmatamento com o aumento na cotação da soja, cujo maior produtor é o estado do Mato Grosso, e o avanço da cana também no Centro‐Oeste. Segundo dados oficiais e não oficiais do Imazon e do Instituto Centro Vida entre junho e setembro de 2007 houve um aumento de 107% no Mato Grosso de áreas desmatadas e 602% no mês de setembro em Rondônia. É inegável que as atividades do agronegócio e o desmatamento caminham juntos.
O novo Código Florestal, aprovado e sancionado pelo governo Dilma em 2012, é sintomático na expressão das contradições na luta agrária e ambiental. O projeto foi apresentado pelo deputado “comunista” Aldo Rebelo (PCdoB) em aliança política com a bancada ruralista no congresso. Vale ressaltar também o apoio da CONTAG ao novo Código Florestal. O novo código passou sem grande oposição das burocracias sindicais e dos movimentos sociais. O “atropelo” da burguesia rural no âmbito do Estado demonstrou fortemente a natureza de classe deste. O objetivo da burguesia rural é claramente expandir a fronteirado agronegócio sobre o cerrado e a floresta amazônica.
Agora o agronegócio prepara mais um grande ataque: o novo Código da Mineração, que promete aprofundar o caráter primário‐exportador de nossa economia, sem considerar o fato dos recursos minerais serem não‐renováveis, dos danos para os trabalhadores envolvidos na produção e os afetos externamente que têm suas roças inviabilizadas pela contaminação das águas ou pela apropriação do solo, e por último a completa privatização da exploração mineral, retirando da União a controle sobre o subsolo, e aprofundando ainda mais o controle das grandes empresas estrangeiras (atualmente cerca de 80% da exploração do ouro é feito por empresas estrangeiras).
Além disso, o campesinato e os povos indígenas e quilombolas foram/são cada vez mais afetados com os megaprojetos de desenvolvimento, tais como as obras do PAC e o próprio avanço do agronegócio. Nesse sentido, o aumento dos conflitos no campo tem relação direta com esse momento desenvolvimentista. As lutas indígenas contra a usina de Belo Monte, contra os latifundiários em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, as lutas pela aldeia Maracanã no Rio de Janeiro, dentre diversos outros focos de conflito que apresentam uma nova etapa da luta onde as frações étnicas do campesinato podem ser fundamentais, não somente para romper com o pacto social, mas pela própria ruptura com regime estatal e capitalista.
A luta pela terra: embate entre programas e concepções para a construção de um novo sindicalismo camponês revolucionário
Os métodos, formas de organização e direção reformista devem ser amplamente combatidos, como imprescindível para superar pela raiz a crise de organização dos trabalhadores. No balanço histórico e conjuntural, tiramos como conclusão que a luta pela reforma agrária foi pautada numa visão equivocada de que os camponeses, trabalhadores rurais e povos indígenas, que eram considerados como pequena burguesia e apegados a “propriedade familiar e comunal/primitiva”, definindo assim como principal pauta a ideia de que a luta pela terra era reduzida e equivalente a luta pela “propriedade”. Por isso é preciso romper com os termos tradicionais da luta pela “reforma agrária” que espera resolver a questão agrária e ambiental através do Estado, criando uma massa de pequenos proprietários rurais de tipo capitalista. A estagnação da luta no campo nos últimos dez anos foi o resultado da espera pelo Estado, para que o Estado realizasse a reforma agrária. Não fez, não fará.
Nesse sentido, não apenas a reforma agrária não foi feita, mas pela própria análise das características do Estado e da estrutura de classes no Brasil podemos indicar que a burguesia não possui qualquer “interesse histórico” na reforma agrária, muito pelo contrário. Portanto, a questão agrária não surge em nossa realidade como um problema a ser resolvido para garantir o desenvolvimento da burguesia (e que, portanto, poderia ser revolvido através do Estado, ou seja, de uma revolução política, burguesa) e sim como um problema para a reprodução das massas trabalhadoras.
A concepção de luta sindicalista revolucionária deve, longe de impedir a posse familiar da terra pelo campesinato brasileiro, ser capaz de defender a redistribuição e garantir efetivamente a terra para o trabalhador e os povos do campo, não sob a forma da propriedade privada (responsável exatamente pela sua expropriação), mas sob a forma do controle direto dos trabalhadores sobre os frutos do seu trabalho; sob a forma dos direitos políticos baseados no trabalho (independentemente deste ser familiar ou coletivo). Assim se diferenciando de todas as concepções etapistas de desenvolvimento do capitalismo, seja sua via pacífica e tutelada pelo estado burguês, seja por pela via da ruptura violenta, mas na qual os trabalhadores são levados a travar as ditas “tarefas inconclusas da burguesia”.
Esse debate tem uma série de implicações para a luta cotidiana pois ela determina em grande medida as táticas, métodos, formas de organização. Enquanto luta reivindicativa, a luta pela terra deve se pautar pela independência de classe e pela negação da ilusão nos aparatos estatais e das classes dominantes. Essa forma de luta é a ação direta por terra e liberdade, como processo de acumulação de forças (das forças coletivas e autônomas do proletariado) para a expropriação generalizada das terras da burguesia nacional e internacional, orientados por uma estratégia de ruptura revolucionária, observando devidamente o papel da autodefesa e da aliança operário‐camponesa. Trabalhando com um programa reivindicativo que se desenvolva em programa revolucionário no longo prazo, através de um método materialista de mobilização do proletariado, feito seja na lavoura ou agroindústria, nas ocupações de terra, para os pequenos proprietários camponeses, para os povos indígenas e quilombolas, travando no devido tempo e harmonicamente as lutas ideológicas (agitação, propaganda ou agitação e propaganda) e as lutas políticas (luta ideológica + organização coletiva), ampliando necessariamente as experiências locais à realidade nacional e posteriormente internacional. Isto hoje deve ser feito pela aliança federalista através do FOB entre a as minorias ativas sindicalistas revolucionárias e suas expressões nos movimentos de massa do campo e da cidade, ou seja, da fusão horizontal das massas camponesas na organização de tipo‐Sindicalista Revolucionária, através de lutas que unifiquem pela base, através da greve geral, através das cooperativas de produção e consumo. Potencializando assim o sindicalismo revolucionário como alternativa para as massas camponesas, não de fora para dentro, e sim como expressão da própria “reflexão da experiência” e das condições em que se luta, fundindo o “histórico e universal” à realidade particular brasileira. Por fim, a defesa do socialismo e do poder popular, entendidos inseparavelmente enquanto a coletivização da riqueza e do poder de baixo para cima.
[1] Fonte: http://www.eumed.net/cursecon/ecolat/br/09/clbl.htm
[2] Fonte: http://oglobo.globo.com/pais/apos‐1‐ano‐presidente‐dilma‐rousseff‐retoma‐reforma‐agraria‐3513252