por Oposição CCI – Combativa, Classista e Independente ao DCE-UnB
Esta Tese foi construída pela Oposição CCI e militantes independentes e assinada por 41 estudantes da UnB. Ela orientou as discussões na base dos cursos, eleição de delegados e nos espaços do Congresso Estudantil da UnB, que ocorreu entre 22 e 24 de setembro no campus Darcy Ribeiro.
Baixe aqui a Tese em formato de CARTILHA.
Avante!
AÇÃO DIRETA ESTUDANTIL: Superar a socialdemocracia, esmagar o liberalismo, erguer a Universidade Popular
“(…) o ruído dos germes expandia-se num grande beijo.(…) Homens brotavam, um exército negro, vingador, que germinava lentamente nos sulcos da terra, crescendo para as colheitas do século futuro, cuja germinação não tardaria em fazer rebentar a terra.” (Émile Zola, Germinal.)
1 – Crise do Estado e crise do capital: entre a ofensiva da elite poderosa e a resistência do povo explorado
As crises política e econômica marcam a virada de período histórico: abre-se um novo ciclo de lutas. O contexto social produz as condições, os meios e os fins do sistema educacional. Temos que entendê-lo para acertar os rumos do movimento estudantil.
O Levante Popular de Junho de 2013 determina a crise política que atinge, em geral, a credibilidade e representatividade das instituições estatais e os partidos da ordem e, em particular, o petismo. Prédios simbólicos do poder público são alvos da ira popular em 2013 e, em 2014, a soma de abstenções, votos brancos e nulos (27,17%) supera a votação em Aécio (24,43%). Desde então, afastam-se da órbita do governo PT alianças burguesas para sua governabilidade e redutos eleitorais populares. A ruptura com o petismo ocorre pela esquerda e pela direita, numa crescente polarização entre campos político-ideológicos distintos, com novos agrupamentos, lideranças e mobilizações nas ruas.
A crise econômica internacional explode em 2008 e, nacionalmente, desde 2011/12. O ciclo virtuoso da economia internacional entre 2002 e 2007 permitiu que os governos petistas cumprissem uma contraditória distribuição da riqueza e renda: por um lado beneficiou as grandes elites; por outro, efetivou políticas compensatórias aos mais pobres. Este foi um fator ilusório da política de conciliação do PT, pois seu pacto social foi transitório: frações da burguesia e elite política o abortam através do impeachment. A crise em solo nacional e as medidas de Dilma deterioraram o trabalho e políticas sociais. Mas diante a ameaça do lucro de frações burguesas, Temer foi sua aposta mais rápida.
Dilma não foi afastada porque “acertou”. O impeachment só pode ser explicado pela combinação de fatores, vários deles produzidos ou reforçados pelo PT como condição para sua ascensão e manutenção no poder e agora a razão da sua queda. São eles:
1) acirramento da luta de classes com aumento autônomo das lutas populares; 2) pior recessão da história brasileira e necessidade de ofensiva capitalista genuína; 3) crise representativa partidário-estatal; 4) seletividade de investigação jurídica e da exposição midiática; 5) protestos de rua dando ar de “legitimidade social” ao golpe institucional; 6) recrudescimento do aparato estatal repressivo e jurídico punitivo; 7) cooptação e contenção de organizações populares pela burocracia socialdemocrata; 8) aliança do petismo com seus traidores; 9) o acirramento da disputa interimperialista e levantes populares no mundo. (RECC, Ascenção e queda da social-democracia. No Prelo)
O sofisticado golpe legitimou-se nas instituições da democracia representativa. Ele não “rompe a democracia”, se opera por ela. O golpe acaba, em parte, com o mito democrático, negociado pacificamente com a ditadura civil-militar de 64. Era esperado que a altivez na tribuna do Congresso, as razões jurídicas da defesa de Dilma e as ações pacifistas e legalistas do “movimento Fora Temer” fracassassem contra o impeachment, pois não oferecem risco a ordem. Ao contrário, a legitimam. A “lei” está contra o povo.
A experiência socialdemocrata do PT mostrou isso: não se pode combater a desigualdade sem lutar contra os ricos; e não se pode lutar contra os ricos governando o estado capitalista. O PT não “errou” pela conciliação de classe, esta é a condição da estratégia eleitoral. Dilma desprezou o “voto popular” de 54 milhões e aplicou uma forte política de austeridade. Temer já o faz, e a tendência é consolidá-las não só como políticas de governo, mas de Estado, tal qual a Lei de Responsabilidade Fiscal e outras. De modo que torne cada vez mais em irresponsáveis a “esquerda partidária” ávida por cargos no Estado; no limite, tal estratégia é contrarrevolucionária, fantoche liberal, conservadora da ordem.
Então, o que fazer? Romper a referência na “altivez” de governantes e “beleza” do mercado. Temos que nos espelhar na luta das pessoas comuns, em movimentos que os poderosos temem: na insurgência de Junho de 2013, nas ocupações secundaristas em 2015/16, nas retomadas de terra indígenas há anos, na greve selvagem dos operários de Jirau em 2011, na luta das mulheres contra o machismo, nas organizações periféricas de base negra, na luta dos povos curdos pela autodeterminação de Rojava e dos indígenas zapatistas em Chiapas: todas estas demonstram que, não o voto, mas só a luta muda a vida.
2 – A luta pela educação: acesso, permanência, financiamento, condições de trabalho e duplo poder como fundamentos para a Universidade Popular
Dois projetos principais ameaçam o financiamento público da educação hoje. A PEC 241 de Temer e o PLP 257 de Dilma. O primeiro impõe um teto aos gastos públicos por 20 anos, que passarão a ser corrigidos apenas pela inflação do ano anterior. O segundo prevê fim da contratação, férias forçadas, demissão voluntária, reajuste real zero entre outras medidas ao serviço público. Ambos afetam em cheio educação, saúde e seguridade social: fixam a austeridade prolongada. O objetivo é fazer superávit primário para pagar a dívida pública, que em 2015 consumiu 42,43% do gasto federal. Esta dívida é um crime!
A tática é antiga: corte de gastos precarizam os serviços públicos, que são privatizados. A maior parte do ensino superior já é privada: em 2014, dos 7,8 milhões de estudantes, 25,1% são do setor público e 74,9% % do privado, esta explodiu pelo Fies e Prouni. Mas a privatização na educação pública já ocorre por estratégias heterogêneas: a) financiamento privado, b) gestão privada de recursos públicos, c) apropriação privada da produção acadêmica, d) cursos pagos. A privatização aberta e sorrateira deve ser combatida. Inclusive o precedente de cobrar alunos de maior renda sob falso véu de “justiça”.
Ampliar o financiamento exclusivamente público para a educação exclusivamente pública é uma bandeira que se associa ao controle da comunidade de “como investir”. O Reuni, por exemplo, não previa aumento de verba proporcional a expansão de vagas; objetivou sobretudo reestruturação das IFES. Isto gera fortes contradições até hoje: a) a exemplo da UnB, reduziu-se o custo-aluno, com implicação direta na assistência estudantil que não cobre a demanda ampliada; b) o aumento de professores e técnicos não acompanhou o de estudantes, comprometendo o tripé ensino-pesquisa-extensão, a dedicação exclusiva e usando força de trabalho de estagiários e docentes temporários para reduzir custos; c) criação de novos cursos e currículos mais enxutos e genéricos; entre outros.
Democratizar passa pela expansão, mas não se resume a ela. Assim, nossa luta se associa às futuras categorias profissionais e ao ensino básico. A gestão escolar por Organizações Sociais (OS’s), as “reorganizações curriculares” e o “Escola sem Partido” no ensino básico tendem afetar o superior: reduzindo as condições de ingresso dos secundaristas da rede pública e formatando currículos das licenciaturas. A Universidade Popular é uma luta programática, que implica acesso livre, condições de permanência e trabalho, currículo voltado às demandas dos povos do campo e da cidade, desmercantilização, melhora global do ensino básico e fim da separação entre trabalho manual/intelectual.
As hierarquias de poder do governo e reitoria nos excluem de pensar e decidir nossa universidade. Em 2010, só 14% dos jovens de 18 a 24 anos cursava ensino superior. Para vencer tais exclusões, deve-se incluir na concepção de “comunidade universitária” as (os) terceirizadas (os), secundaristas e comunidade dos campi periféricos, para além dos “três segmentos”. Este novo corpo se legitimará na medida de sua união e construção de um duplo-poder: que pressione a burocracia universitária de baixo e de fora.
3 – Da linha de frente ninguém nos tira: desviar da fragmentação liberal e unificar as lutas contra as opressões em um movimento estudantil classista
Entender como central uma razão “machista e patriarcal” para derrubar Dilma nos parece um erro. Mas não há dúvida de que a misoginia foi componente do golpe liberal-conservador, cujo o centro foi o fator classe. O fato de nos seus Ministérios haver maioria de homens brancos e ricos expressa dois lados de uma moeda: o estrutural recorte de classe na raça/etnia e gênero e, positivamente, que mulheres e negras (os) não compactuem legitimando a elite política. Defender que compactuem é uma pauta liberal.
É um erro primário do feminismo liberal confundir “diversidade” com “desigualdade”. Diversidade é a chance de desenvolver livremente aptidões e opções plurais dos seres humanos. A igualdade diz respeito ao fornecimento das plenas condições (econômicas etc.) a todos (as) para aflorarem sua diversidade. Desigualdade é fruto de estruturas de exploração e opressão, autoritariamente estabelecidas; ela nega aflorar as diversidades, pois nega condições iguais para os filhos do patrão e da empregada. Assim, a igualdade, como fator coletivo, é uma condição da diversidade como livre expressão individual.
De outro lado, o feminismo socialdemocrata critica, mas não é seu foco enfrentar o Estado: quer combater “Estado mínimo” com “mais Estado”. Relega a autodefesa e a autodeterminação a segundo plano. O Estado é visto como passível de ser dirigido. Em nossa visão, a luta por políticas públicas não se dá “no Estado” ou por “mais Estado”, mas contra o Estado, que produz/reproduz as opressões e exploração econômica. A ação direta por SUS ou Creches, por exemplo, é luta pela vida e meio de autodeterminação.
Hoje, caminhamos para um extermínio do povo negro, indígena, camponês e quilombola. E se a execução é incompleta, é porque o capitalismo depende destes setores para baratear sua força de trabalho. Este atentado ao direito de viver e preservar a cultura é promovida secularmente pelo Estado e mercado, acelerado por políticas do PT/PMDB: seu “desenvolvimentismo” que traz os megaeventos que removem casas das periferias; sua “aliança no campo” que promove o agronegócio que expulsa e mata sem-terra e indígenas; sua “pacificação” com UPP’s nas favelas, Força Nacional e “Lei Antiterrorismo”.
Falamos aqui de vidas. O tempo urge! Por isso a autodefesa é um imperativo. Nem “capitalismo para pobres” nem “Estado para excluídos”: ambos nos violentam. Construir um Comitê de Auto-Defesa das Mulheres e LGBTs na UnB permite mais uma experiência volante para expandir às periferias urbanas, aos campos e florestas. Associado ao a) estudo das opressões, b) a solidariedade e amparo às vítimas, c) justa apuração de denúncias, d) ambientes mistos e fechados e) justiça restaurativa. Sem fragmentação.
4 – As três vias do Movimento Estudantil hoje: liberal, socialdemocrata e combativa
A APL – Aliança Pela Liberdade (2011-2016) aumentou a crise organizativa deixada na UnB pelos dois anos consecutivos do PT dirigindo a gestão do DCE (2009-2011). A APL se firma como máquina eleitoral mantida de uma base “anti-esquerda”, em boa parte elitista e reacionária, mas fundamentalmente contrária à mobilizações. Legitima-se na urna a desmobilização da luta coletiva, que se contenta em ganhos pontuais possíveis por “ofícios” e “UnB-Docs”, pela razão de que não demandam pautas econômicas que enfrentem o regime. Boicotam a mera existência de Assembleias, atacam protestos e fazem do CEB um “proto-parlamento” inócuo. Tal modus operandi enterrará o movimento.
No meio, os partidos socialdemocratas querem dirigismo e reproduzem o grande Parlamento, como no loteamento de cargos por forças em aparatos tipo a UNE. “Lutam”, mas vem transformando isso em qualificativo vago. Definitivamente: ou acreditamos ser possível conciliar as profundas demandas do povo no capitalismo, e nesse caso a esquerda institucional e os liberais continuarão compartilhando táticas, gabinetes e a tese de “capitalismo para pobres”; ou compreendemos que lutamos contra inimigos e seu regime, neste caso é preciso abandonar os mecanismos institucionais da ordem, muitas vezes para atingir demandas populares que parecem mínimas, como assistência estudantil e passe livre.
Na outra ponta, o setor combativo ainda é disperso. Mas unifica-se em momentos precisos e exitosos como as Ocupações da Reitoria 2014 e 2015 e a “Articulação de CAs”. Revelam aí sua grande força. Vários são os adeptos da ação direta e da via independente. Organizar coletivamente é condição para avançar: sozinhos somos fracos e dependentes das imposições externas, inclusive da burocracia universitária e dos reformistas. Defendemos a construção de Coletivos de Curso para propagandear, agitar e organizar as bases dos Centros Acadêmicos. Este Congresso é louvável, mas será letra morta se não houver empenho de pessoas comuns em levar uma agenda de luta aos mais de 40 mil estudantes.
A tarefa do movimento estudantil da UnB é ajudar a construir um novo Levante para lutar contra o avanço liberal ortodoxo do governo Temer e por mais direitos. As direções sindicais e estudantis das organizações cooptadas pela burocracia socialdemocrata e liberal devem ser atropeladas pela base. É preciso construir uma Greve Geral no Brasil, que paralise todos os ramos da economia, que instaure assembleias e barricadas nos locais de estudo, trabalho e moradia. Essa é a tarefa do período para o ME da UnB.
É tempo de pensar e fazer a grande política, histórica e universal da libertação.
Pela memória de Honestino Guimarãens, Edson Luís, Ieda Delgado e Paulo de Tarso!
Aos nossos mortos, nenhum minuto de silêncio, mas uma vida inteira de luta!
Não esquecemos nem perdoamos!
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