Por RECC/FOB-MS e SIGA/FOB-DF
Entre os dias dois e cinco de julho de 2019, realizou-se a assembleia da Retomada Aty Jovem (RAJ). A RAJ é uma assembléia de base da juventude Guarani e Kaoiwá, formada por uma estrutura radicalmente democrática, com a rotatividade das responsabilidades, o que evita a centralização de poder. O evento se refere tanto à retomada de terras quanto da identidade Guarani e Kaiowá. Guarani e Kaiowá são duas etnias cujo território original abrangia o Cone Sul de Mato Grosso do Sul. Fazem parte do grande povo Guarani, que se estende por quatro diferentes países da América Latina (Bolívia, Argentina, Paraguai e Brasil). A RAJ nasce em 2016, em assembleia realizada na retomada de Paraguassu como resultado de anos de articulação interna dos jovens para debater demandas específicas e ter mais voz junto à Aty Guasu (grande assembléia Guarani e Kaiowá). Neste ano, a RAJ foi realizada no tekoha Pirakua. O povo Guarani e Kaiowá realizou a autodemarcação deste seu território tradicional, por onde atravessa o rio Apa, em plena ditadura militar, contra a pressão de fazendeiros, entre 1979 e 1986, conforme descrito em nota anterior da FOB (https://lutafob.wordpress.com/2019/05/22/recc-ms-aldeia-pirakua-autonomia-e-luta-na-mae-das-retomadas-guarani-e-kaiowa/)
A RAJ é construída de forma autônoma pelos jovens Guarani e Kaiowá: independentemente do Estado (por exemplo, Fundação Nacional do Índio e Ministério Público), partidos políticos, e das Organizações Não-Governamentais. Por vezes algumas destas instituições são convidadas a compor alguma parte da programação, mas não influenciam no processo de formação organizativa do encontro.
O tema norteador da assembleia deste ano foi o suicídio. De fato, este é um problema que atinge níveis alarmantes. O Mato Grosso do Sul segue liderando o índice de suicídios entre indígenas, e especificamente, em relação aos Guarani e Kaiowá.
Além deste problema foram abordadas as questões da violência externa e interna, a (auto)demarcação de terras, o racismo, o envenenamento da terra através do uso de agrotóxicos, que ficou evidente com o ataque químico na comunidade Guyraroka, que além disso é ameaçada pela tese do Marco Temporal, outro tema importante.
Os participantes questionaram o estereótipo do jovem guarani e kaiowá, sempre reduzido a aspectos negativos, como a violência, o suicídio, o abuso de álcool e drogas, etc. Demonstraram, no discurso e na prática, o quanto o estereótipo é falso, pela sua determinação no processo de retomada, seu protagonismo na luta e na organização, sua força e alegria nos inúmeros cantos e danças, como o guaxiré, e nas rezas que presenciamos.
A FOB foi convidada a participar do encontro e esteve presente através de seu núcleo de MS e de uma delegação do núcleo DF. No espaço da RAJ, tivemos a perspectiva de escutar e aprender com a organização dos companheiros, além de conhecer melhor suas demandas, e fortalecer a aliança entre organizações de luta. Durante o encontro, realizamos entrevistas com alguns participantes, que nos relataram diversos problemas de suas comunidades.
Chamou-nos a atenção a situação da proletarização dos jovens, inseridos em trabalhos precários como corte de cana, em frigoríficos, colheita de maçãs no sul do país, coleta de lixo, coleta de materiais recicláveis, construção civil, trabalho doméstico remunerado, e também na prostituição. Entendemos que esta situação é consequência da desterritorialização causada pelo avanço das frentes de colonização e diferentes ciclos das cadeias produtivas no grande território guarani e kaiowá, a exemplo das cadeias de produção do mate no século XIX, e sequencialmente, da pecuária e das monoculturas de soja, milho e cana-de-açúcar.
Como efeito deste quadro de extermínio e desterro, resultante da violência colonizadora, a criminalização, o genocídio e o etnocídio também avançam a passos largos, como nos relataram alguns jovens em entrevistas e relatos dialogados nas fogueiras acesas após o término das atividades diárias da assembléia. Como exemplo, jovens da retomada de Itahy, no município de Douradina, nos contaram sobre o assassinato de um idoso, encontrado com marcas de pancadas desferidas contra sua cabeça e tórax, assim como sinais de atropelamento. Segundo os companheiros, a perícia negligenciou deliberadamente a situação, avaliando de forma não-oficial como “morte causada por abuso de álcool”, deixando a comunidade sem respostas. O outro caso foi a prisão de um jovem da retomada de Tajasu Iguá, no momento encarcerado em Itaporã, brutalmente reprimido pela Polícia Militar, que invadiu o tekoha e atacou os moradores com bala de borracha. Tendo em vista que este comunicado faz parte de uma serie de notas que lançaremos através de um esforço conjunto dos núcleos, que caminharam juntos pelo território de resistência Guarani e Kaiowa, trataremos posteriormente dos contextos acima elencados, com maiores detalhes sobre a criminalização e o extermínio do povo pelo terrorismo de Estado.
Saímos do encontro convictos de que somente a auto-organização e a histórica luta combativa dos Guarani e Kaiowá por território e autonomia, conduzirá as vitórias das retomadas dos Tekoha. O espaço da assembléia da RAJ é fundamental para o fortalecimento da juventude indígena, em seus esforços coletivos para organizar a resistência por terra e liberdade. A FOB se coloca lado a lado dos povos indígenas, buscando unir as lutas do campo e da cidade, e construir um sindicalismo revolucionário que também seja anticolonial, na defesa dos trabalhadores indígenas submetidos ao trabalho superexplorado, em conjunto da defesa das retomadas de terra. Nos posicionamos firmemente contra o latifúndio e o agronegócio, faces devastadoras do capitalismo na periferia do sistema mundial, e que um dia cairão diante da digna rebeldia popular. A luta indígena não irá esmorecer frente à conjuntura de acirramento da luta de classes e do avanço do fascismo no Brasil. Portanto cerramos fileiras no avanço das retomadas e autodemarcações pela reconstituição integral dos territórios originários dos povos. É preciso construir uma greve geral que lance uma ofensiva conjunta dos trabalhadores e trabalhadoras da cidade com a destruição absoluta do latifúndio, por uma terra livre de patrões, para que não existam mais senhores sobre a terra. Nas palavras de um guerreiro Guarani e Kaiowá: “É chegada a hora de afiar a foice e ir pra guerra”.
AVANÇAR AS RETOMADAS, DESTRUIR O LATIFÚNDIO!
TERRA, JUSTIÇA E LIBERDADE: FORA RURALISTAS DO CAMPO E DA CIDADE!
VIVA A RESISTÊNCIA DA JUVENTUDE GUARANI E KAIOWÁ!