Por Rede de Mídia Classista – RMC
Em meio a intensificação da guerra contra as comunidades zapatistas no México, no dia 29 de outubro saiu de San Cristobal de las Casas uma Caravana Solidária reunindo organizações sociais e de direitos humanos. A Caravana Solidária levou caminhonetes cheias de mantimentos e alimentos arrecadados para as comunidades autônomas zapatistas Moises Gandhi e Nuevo San Gregório. E principalmente, levou às bases de apoio do EZLN a solidariedade política e o compromisso de iniciar uma campanha de denúncia e apoio aos compas.
Nem mesmo com a presença da caravana solidária as agressões paramilitares cessaram. Durante a permanência da Caravana nos territórios ao menos 9 disparos de armas de fogo foram efetuados de cima das colinas por membros do grupo paramilitar ORCAO, que cercam e assediam os indígenas-camponeses zapatistas. Alguns dias depois da caravana, Felix López Hernández base de apoio do EZLN de Moises Gandhi foi sequetrado e torturado por paramilitares da ORCAO. Apesar da guerra, a resistência pela vida continua!
Desde o Brasil, a FOB está atenta e intensificando a solidariedade internacionalista com a luta revolucionária do EZLN. Saudamos e buscamos contribuir com a Caravana Solidária, bem como com demais ações de solidariedade e de denúncia na medida de nossos esforços. Uma comissão da FOB em Chiapas tem atuado para fortalecer esses laços e redes que unem nossos povos e lutas de libertação.
A tradução para o português do Relatório da Caravana abaixo é importante para a formação dos militantes sindicalistas revolucionárias do Brasil, para a compreensão dos antecedentes, detalhes dos fatos, estratégias da repressão, que tem levado à situação atual. Mas a solidariedade no Brasil se torna complexa quando partidos e movimentos de esquerda tem se calado, optando covardemente por apoiar o governo neoliberal “progressista” de López Obrador. Além disso, uma certa postura de divulgação hegemônica de imagens romantizadas e frases genéricas sobre o zapatismo, tem dificultado um envolvimento militante e solidário com maior peso e efetividade com a luta revolucionária tão aguda e urgente que travam hoje nossos camaradas zapatistas.
É nosso dever, como sindicalistas revolucionários, romper esse silêncio e impulsionar a solidariedade internacionalista e militante! Aprender e criar pontes de fortalecimento mútuo das lutas populares e autônomas em todo o mundo! Basta de guerra ao EZLN! A FOB está com os zapatistas! Só o povo salva o povo!
Relatório da Caravana de Solidariedade e Documentação com as Comunidades Autônomas Zapatistas de Nuevo San Gregorio e da Região de Moises Gandhi
Realizada em 29 de outubro de 2020
Nós, Organizações, Coletivos e Redes aderentes à Sexta Declaração da Selva Lacandona apresentamos nosso Informe para comunicar, divulgar e denunciar as agressões, ameaças e assédios perpetrados por grupos armados contra meninas, meninos, homens, mulheres das comunidades autônomas zapatistas do EZLN pertencentes ao Município Autônomo Lucio Cabañas, Caracol 10, Floreciendo la Semilla Rebelde, Junta de Bom Governo Nuevo Amanecer en Resistencia y Rebeldía por la Vida y la Humanidad, na zona de Patria Nueva, território recuperado em 1994 pelo EZLN.
Este informe é parte de uma campanha de difusão que realizaremos para que vocês, a partir de suas geografias e modos, possam estender o documento, o material de vídeo e áudio para que as famílias zapatistas saibam que não estão sozinhas, e para que entre nós como Sexta, como expressões organizativas e Redes de Resistência e Rebeldia, possamos responder criativamente a esta Guerra contra a Vida e as Autonomias dos Povos.
I. O Contexto da Contrainsurgência nos Tempos da 4 T
Os ataques contra comunidades e povos que se organizam para viver e resistir têm sido constantes nos últimos meses de 2020. É por isso que queremos tornar visíveis, de forma pontual, eventos localizados em diferentes áreas territoriais e que vão contra a aposta política organizativa dos e das de baixo. Isto para entender dentro de um amplo contexto o que acontece no Município Autônomo Lucio Cabañas.
Vinte anos após a transferência de famílias desalojadas, integrantes da Organização Sociedade Civil Las Abejas, no acampamento Nuevo Yiveljoj, que foram desalojadas em novembro de 1997 por um grupo paramilitar de Chenalhó, a impunidade continua. A violência paramilitar não lhes deixou a opção de retornar às suas comunidades de origem, os paramilitares continuaram livres e impunes, suas armas nunca foram confiscadas e foram a herança dos seus filhos, como demonstraram em um vídeo publicado em 18 de agosto de 2020 (1), que mostra um grupo civil armado da comunidade de Santa Martha, Chenalhó.
Os desalojamentos forçados internos continuam como há 20 anos, desta vez os desalojamentos massivos ocorrem em Aldama, Chalchihuitán e Chilón para mencionar alguns, novamente causados pela violência generalizada de grupos civis armados que trabalham com o consentimento e aprovação do Estado; violência que deixou como resultado, roubo, pilhagem de seus pertences e colheitas, feridos, mortos e expropriação de seus territórios. Uma guerra concebida para afetar principalmente mulheres, meninas, meninos e jovens, a fim de destruir a integridade psico-social-emocional das famílias.
Se soma a isso a agressão realizada em 23 de fevereiro aos companheiros e companheiras das comunidades de San Antonio Bulujib e Guaquitepec, município de Chilón, Chiapas, que pertencem ao Congresso Nacional Indígena (CNI), foram violentadas, reprimidos e sequestrados pelas autoridades ejidales de San Antonio Bulujib pertencentes aos grupos paramilitares Chinchulines e ORCAO, assim como por membros do partido Morena, em retaliação por terem participado das jornadas em defesa do território e da mãe terra “Samir somos Todas y Todos” (2).
A isto acrescentamos o que aconteceu em 11 de setembro deste ano no Ejido Tila, quando companheiros e companheiras do CNI foram liberar a passagem para os acessos da população Ejidal, quando paramilitares liderados por filhos dos líderes do grupo paramilitar Paz e Justiça, encapuzados e fortemente armados com rifles de assalto e armas pequenas de grosso calibre começaram a atacar os ejidatarios, deixando como resultado uma pessoa morta e vários feridos (3).
Neste contexto, em 15 de outubro deste ano, ejidatarias, ejidatarios, posseiras, posseiros e moradoras e moradores de San Sebastián Bachajón e San Jerónimo Bachajón durante uma manifestação pacífica contra a instalação de uma base da Guarda Nacional em seu território, foram violentamente reprimidas pela Guarda Nacional, polícia estadual e polícia municipal, isto no trecho da estrada de Ocosingo a Palenque na altura do cruzeiro Temó, deixando como consequência duas pessoas privadas arbitrariamente de sua liberdade, uma pessoa desaparecida e treze feridas, bem como danos a veículos.
As agressões e o assédio contra os povos organizados, que são realizados por grupos civis armados em coordenação com funcionários da Secretaria de Segurança Pública e da Guarda Nacional, vão contra a aposta política das autonomias e livre determinação de seu território, direito exercido por meninas, meninos, adolescentes, homens e mulheres que integram o Congresso Nacional Indígena e o Exército Zapatista de Libertação Nacional. Não são o resultado de conflitos intercomunitários, mas sim de uma estratégia por parte do Estado para fabricar conflitos internos. Se utilizando de partidários e membros de organizações camponesas que se tornaram gerentes de projetos (Sembrando vida, Jóvenes construyendo futuro) estimula, desde a Quarta Transformação, a atacar aqueles que constroem formas de governos autônomos.
II. Antecedentes: A continuidade da guerra por outros meios
Com o levante do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) em 1º de janeiro de 1994, milhares de hectares de terra usurpados por fazendeiros foram recuperadas por seus legítimos donos: os povos originários. Onde antes inúmeras cabeças de gado vagavam e cresciam, cuja carne era destinada ao mercado, hoje se constrói a autonomia, o trabalho coletivo, a vida.
O caminho para o EZLN e as famílias Bases de Apoio não tem sido fácil. Após o cessar-fogo, a contrainsurgência começou a ser implementada de diferentes maneiras. A econômica, milhões de pesos chegaram a Chiapas disfarçados de programas sociais; a militar, colocando um cerco geográfico ao EZLN e afastando o apoio de suas bases; através dessa a paramilitar, grupos que se conformaram com o financiamento, treinamento, permissão e apoio logístico do Exército Mexicano. A agrária, com o Fundo 95 o governo mexicano iniciou um processo de doação de terras, mesmo que estas tivessem sido recuperadas durante o levantamento de 1994. Como parte do diálogo entre o governo federal e o EZLN, o presidente Ernesto Zedillo ordenou uma ofensiva militar contra o EZLN, conhecida como a traição de fevereiro. Esta estratégia foi implementada mais rapidamente a partir do ano 2000, durante a “transição para a democracia”.
Desta forma encontramos organizações que lutaram pelo acesso à terra e que, após o ano 2000, iniciaram um assédio permanente contra os povos assentados em Terras Recuperadas. Este assédio foi incentivado pelo programa Procede, Procecom, Fanar, Raja, onde o Estado oferecia segurança jurídica de posse.
Em 2010 o grupo paramilitar Organização para a Defesa dos Direitos Indígenas e Camponeses (OPDDIC) pertencente à comunidade de Agua Azul, município de Chilón, realizou ações para tomar território da comunidade de Bolom Ajaw, município autônomo Comandante Ramona. Primeiro 7 hectares de cultivo, e depois a reserva das cachoeiras de Bolom Ajaw.
Nesse mesmo ano, uma operação orquestrada pelos governos federal, estadual e municipal, acompanhada pelos militares, a polícia federal e a Procuradoria Federal do Meio Ambiente foi realizada no povoado de Laguna San Pedro, Caracol III La Garrucha, impondo o deslocamento forçado da comunidade. Em junho, o Caracol V denunciou a agressão contra a comunidade Choles de Tumbalá, no município autônomo de El Trabajo, por membros da organização Xinich-Official.
Durante os anos 2011-2012, foram gravemente atacadas as BAEZLN [Bases de Apoio do EZLN] de San Marcos Avilés e Comandante Abel. Em San Marcos Avilés, Caracol II Oventik, por ser zapatistas, por ter uma escola autônoma, ejidatarios partidários em conluio com a Procuradoria Agrária ameaçaram tirar os direitos agrários da comunidade. Na comunidade Comandante Abel (antiga San Patricio), município Autónomo la Dignidad, Caracol V Roberto Barrios, relata uma série de ataques com armas de fogo que resultam no desalojamento da comunidade para um novo espaço; estes ataques foram realizados pelos paramilitares de Desarrollo, Paz y Justicia, também conhecidos pela sigla UCIAF.
Em meados de 2011, o Caracol III La Garrucha denunciou a constante destruição dos cultivos na comunidade autônoma Mártires, no município autônomo Lucio Cabañas, bem como a prisão de duas Bases de Apoio EZLN pelos dirigentes e membros da Organização Regional dos Cafeicultores de Ocosingo (ORCAO). Em agosto de 2011, o Caracol IV Morelia denunciou esta mesma organização pela destruição da casa Digna no ejido Patria Nueva, que servia de espaço para observadores nacionais e internacionais da sociedade civil.
Em 2013 o Caracol I denunciou as provocações e expropriações contra as BAEZLN Che Guevara, município autônomo de Tierra y Libertad, por pessoas em cumplicidade com os três níveis de governo municipal (Motozintla), estadual e federal, realizando a construção de casas dentro do território zapatista, cortando o abastecimento de água e disparando para gerar medo nas BAEZLN.
A CIOAC Independente realizou uma série de ações contra as BAEZLN do ejido 10 de Abril, município autônomo 17 de Noviembre, realizando uma agressão violenta em janeiro de 2014. Este ano a CIOAC Independente assediou a BAEZLN do Caracol de La Realidad, e em 2 de maio deste ano realizou uma emboscada paramilitar executando o professor da Escuelita La Libertad según l@s Zapatistas, Maestro Galeano.
A Junta de Bom Governo denunciou em junho de 2015 as constantes ameaças do grupo paramilitar proveniente de Chikinibal do ejido Pojkol, município de Chilón, de fevereiro a junho, com patrulhas armadas todos os dias entrando nas casas das BAEZLN na comunidade autônoma de Nuevo El Rosario, município autônomo de San Manuel do Caracol III La Garrucha. O cerco e as incursões constantes levaram ao desalojamento forçado da comunidade autônoma Egipto e Nuevo el Rosario em agosto do mesmo ano.
Apesar dos constantes ataques, ao longo destes anos às comunidades autônomas, ao EZLN e as BAEZLN não se cansaram e continuaram alimentando a esperança de cuidar da terra, de promover o trabalho coletivo, de cuidar da vida, de convocar a solidariedade para dar uma solução civil e pacífica às diferentes agressões em seus territórios.
III. Fatos
Dois exemplos claros da continuidade da estratégia do Estado que busca minar a autonomia zapatista através de agressões sistemáticas ocorrem atualmente na Região de Moisés Gandhi e na comunidade de Nuevo San Gregorio, pertencente ao Caracol 10, Floreciendo la Semilla Rebelde, Junta de Bom Governo Nuevo Amanecer en Resistencia e Rebelía por la Vida y la Humanidad com sede em Patria Nueva.
Em 29 de outubro, uma caravana composta por várias organizações civis e de direitos humanos partiu para documentar os ataques enfrentados por esses povoados zapatistas e para dar apoio solidário.
Aproximadamente 10 veículos entregaram alimentos, ouviram depoimentos e capturaram as provas materiais dos ataques.
Os companheiros e companheiras do povoado ficaram felizes com a visita, e um companheiro relatou: “Sentimo-nos bem por nos visitarem, no momento em que saímos (da casa) eu tinha uma filha dando à luz, estamos sofrendo debaixo da lama, às vezes não comemos mais, também naquele momento um companheiro morreu, eles nos cercaram e não sabíamos para onde ir.”
Enquanto a caravana percorria a área, mais de nove tiros foram disparados contra Moisés Gandhi, e houve algumas ações intimidadoras no final da visita. Vale mencionar que desde 13 de outubro não houveram detonações de armas, mas elas foram retomadas em 27 e 28 de outubro, dois dias antes da caravana:
Agressões em Moses Gandhi
No cruzamento de Cuxuljá, entre a estrada de San Cristóbal e Ocosingo, foi relatada uma série de ataques às BAEZLN.
Ali está o Ejido Moisés Gandhi, constituído por 8 povoados pertencentes ao Município Autónomo Lucio Cabañas, que desde Abril de 2019 têm sido alvo de agressões por parte da ORCAO, por um interesse agrário na distribuição de terras recuperadas (4).
Estas agressões começaram com cercamentos e loteamentos nos locais de trabalho das terras recuperadas, bem como com danos e destruição das sementeiras colectivas. No início de 2020, às agressões juntaram-se o roubo de cultivos, a destruição de cercas e postes, a presença de pessoas armadas com rádios portáteis na comunidade e a montagem de guardas, ameaças verbais e escritas, intimidação e agressões físicas contra a BAEZLN, a queima e fumigação de cultivos, o roubo de lojas nas comunidades autónomas, a queima de colmeias, o vandalismo na Escola Secundária Autônoma e disparos de armas de fogo.
Desde junho de 2020 as agressões têm aumentado, agora com mais tiros, corte de árvores, mais destruição, saques e ataques físicos a membros da população de Moisés Gandhi.
Entre junho e outubro de 2020 houveram vários ataques e, sobretudo, disparos de armas de fogo de diferentes calibres por parte da ORCAO dentro das comunidades autônomas, colocando em risco homens, mulheres, crianças, idosos que têm que buscar refúgio das balas, ou se jogar na lama em plena madrugada, já que têm ocorrido ataques durante noites e dias inteiros. Com relação a esta situação, uma camarada BAEZLN relata quando foi surpreendida pelo tiroteio: “Quando a ORCAO chegou, eles deram tiros que passaram perto de mim quando eu estava no banheiro, porque eu não sabia se eles iam vir porque eu fui ao banheiro e passou pela minha cabeça e eu cheguei lá, e eu disse ó meu Deus eu vou morrer e eu comecei a chorar. Se eu não estivesse no banheiro, eu teria morrido.”
Além disso, esta situação não permitiu que os compañeros e compañeras zapatistas trabalhassem a terra, já que tiveram que estar dentro de suas casas ou em refúgio em outras casas. Em outro dos testemunhos, uma compañera menciona: “Quando eu vi minha casa, isso me fez chorar, vocês viram que toda a minha casa foi baleada.”
As BAEZLN também tem recebido constantes ameaças de todos os tipos. A este respeito, outra camarada zapatista relata: “O homem disse a meu marido que vão matá-lo e pendurá-lo com as tripas pelo pescoço, eles não querem mais vê-lo, pois para aquela pessoa meu companheiro já está morto, ele o matou com suas palavras.”
Os eventos têm se intensificado progressivamente até o dia 22 de agosto de 2020. Neste dia, a partir das 5h30 da manhã, vários ataques com armas de alto calibre começaram, dirigidos às comunidades autônomas, seguidos da queima dos armazéns de café, do refeitório “Compañera Lucha” e do saque da loja Arco Iris, entre outras destruições (5).
Alguns dos custos econômicos de toda essa onda de ataques na Região de Moisés Gandhi, são
-Danos às milpas [plantações], arbustos e materiais nos povoados da Região da Paz: $346.387,00
-Destruição de propriedades: $37.250,00
-Destruição de bens na Região: $380.799,00
-Destruição de bens no município: $3.260,00
-Danos e roubo na loja Arco Iris: $688.324,56
-Total de danos: $1.456.021,06
*Data do relatório 25-09-2020, pela Junta de Bom Governo “Nuevo amanecer en resistencia y rebeldía por la vida y la humanidad”.
Agressões em Nuevo San Gregorio
Na comunidade de Nuevo San Gregorio, terra recuperada desde 1994 com 155 hectares, as BAEZLN informam ter sofrido constante assédio, intimidações e provocações por parte de um grupo chamado pelas próprias bases como os 40 invasores. Estes atos têm sido relatados desde novembro de 2019. A principal forma de agressão tem sido a invasão e o cercamento de terras coletivas.
Desde dezembro de 2019, o grupo dos 40 invasores invadiu e cercou os campos de trabalho e milharais dos camaradas do povoado. Também foi cercado um hectare do pasto coletivo do povoado, deixando apenas um hectare livre e deixando o tanque de armazenamento de água dentro da cerca para distribuição na comunidade. A Casa Grande (as ruínas da antiga fazenda) também está cercada. No cultivo de milho e árvores frutíferas da escola secundária, um e um quarto de hectare são cercados, deixando apenas um quarto de hectare para a escola secundária. Da mesma forma, estão cercados o poste de eletrificação que fica na antiga igreja, o tanque de armazenamento de água da chuva que distribui água no povoado, o poste de eletrificação de onde sai a linha de bombeamento de água e o trator da região, impedindo seu movimento.
Dentro destas formas de intimidação e provocação há também a introdução de gado nas pastagens coletivas, e a isto se soma o fato de que o gado coletivo das BAEZLN que permanece dentro da cerca é deixado sem comida e sem água.
Deve-se ressaltar que o grupo dos 40 invasores continuou a assediar cortando arame farpado em terras comunitárias, roubando legumes, tirando fotos de pessoas que chegam aos locais de trabalho, bem como ameaças verbais, ofensas e humilhações às BAEZLN, embora as bases zapatistas tenham solicitado em várias ocasiões dialogar com respeito e chegar a acordos.
IV. Mecanismos de violência
Os fatos descritos acima estão nos mostrando vários mecanismos de violência:
1.- Invadir terras e destruir a Mãe Natureza. Dispositivo para gerar dominação e terror sobre um território e sua população. A ORCAO e grupos de pessoas armadas violentam o direito ao uso e usufruto da terra e do território que as famílias zapatistas têm de forma legítima e no pleno exercício de seu direito à autonomia. Enquanto o grupo invasor executa o uso mercantil da terra, as famílias zapatistas assumem ser os guardiões da Mãe Terra.
Exemplo: Invadir terras para queimar e destruir casas, roubar plantações e ferramentas de uso comum para o trabalho coletivo, ameaçar e intimidar carregando paus e armas na mão, tirando fotos e vídeos à distância e na direção da população zapatista. A destruição da Mãe Terra realizada através do desmatamento e corte de árvores para uso comercial, bem como a destruição de montanhas para saque e venda de cascalho/pedra, como é o caso alarmante da comunidade La Resistencia.
2.- Cercamento com alambrados e ambiente de disparos: Uma vez que se realiza a invasão e a destruição, se passa ao ato violento de cercar para assediar como um ato de “seqüestro” em suas próprias terras, mediante o cercamento dos espaços vitais-elementares que toda pessoa e comunidade precisa para exercer uma vida digna. Portanto, a ORCAO e o grupo de pessoas armadas implementam atos de crueldade típicos da guerra que: a) expõem as famílias zapatistas a se esquivarem de balas, principalmente as mulheres que têm que cuidar de suas costas e seios para proteger seus bebês e crianças; b) forçam homens e mulheres a cruzar inúmeras cercas de arame farpado para ter acesso à água, obter seus alimentos e cuidar de suas plantas, colheitas e animais; c) violam o direito ao exercício da educação, da saúde e da economia de subsistência camponesa-indígena. Exemplo: cercando escolas, clínicas de saúde, casas e locais de trabalho coletivo, tais como milpas e gado. Cercamento do manancial e sistema de bombeamento para acesso à água do rio, cercado nos animais. Uma vez que as famílias decidem acessá-los, há tiroteio em direção às pessoas.
3. Violentar o direito de acesso à água. As estradas e passagens para o riacho, o manancial e o sistema de bombeamento para conseguir água e chegar ao pântano estão cercados. Quando as mulheres vão buscar água, elas se organizam para ir em grupos, tomando cuidado com os disparos. Enquanto rastejam pela cerca e se apressam, ferem o corpo e rasgam as roupas. Enquanto carregam água e lavam suas roupas, elas estão tensas e nervosas.
4. Provocar a fome. A ORCAO e o grupo de pessoas armadas executam um dos mecanismos mais cruéis da guerra ao privar a população de alimentos. As famílias não podem sair para trabalhar nos campos de milho porque as disparam. Em uma das comunidades, 50% da produção para a alimentação da comunidade foi perdida como resultado da invasão, do cercamento e dos tiroteios. A colheita do feijão de novembro foi perdida, assim como a colheita de trabalho coletivo do trigo regional. Também não foi possível colher milho suficiente em meados de fevereiro de 2020. Sua horta comunitária e coletiva é invadida pelo gado de uma pessoa do grupo dos invasores. O cano do riacho para irrigação coletiva de peixes foi destruído e foi cercado.
5. Destruir a economia autônoma. A invasão e destruição dos espaços onde a auto-sustentabilidade é desenvolvida para gerar uma economia autônoma em nível familiar, coletivo e regional mostra uma tática de Guerra contra a forma autônoma para construir sua própria economia como organização. Exemplo: incêndio e destruição de lojas, refeitórios e cooperativas. Roubo de instrumentos de trabalho, assim como as culturas de milho, trigo, mandioca, feijão, árvores frutíferas, etc.
6. Violência de difamação, calúnia e desinformação. A ORCAO e o grupo de pessoas armadas desacreditam, rejeitam e minimizam os atos de violência, roubo e destruição que realizaram. Eles rejeitam e desacreditam as instâncias de bom governo na política de diálogo da organização zapatista para chegar a acordos de não-violência. Exemplo: A ORCAO menciona que o armazém da loja cooperativa “Arcoiris” e o refeitório “compañera Lucha” estava vazio e abandonado quando o incêndio foi ateado, mas não dizem que seus atos violentos de assédio às pessoas que ali trabalhavam, assim como o roubo de produtos não permitiram que as famílias zapatistas continuassem o trabalho e o funcionamento coletivo em ambos os espaços.
7. Mecanismos de violência contra os corpos-territórios das Mulheres. Quando as mulheres se sentem impotentes para alimentar seus filhos e filhas, isto gera angústia. A percepção de que as crianças não podem frequentar a escola, muito menos brincar, gera tristeza e impotência nelas. Ver alguns de seus filhos calçando as botas de borracha desde pequenos para o caso de terem que fugir lhes causa dor. Não poder sair livremente para buscar água gera desespero. Ouvir e sentir os tiros “que ferem as casas” gera medo e estados de confusão por não saber se eles ficam dentro de casa com seus filhos e filhas ou deixam as casas para se protegerem em outros lugares.
V. Conclusões
As organizações, coletivos e indivíduos que participaram desta caravana solidária, todos aderentes à Sexta Declaração da Selva Lacandona do Exército Zapatista de Libertação Nacional, dão conta da documentação na qual pudemos reunir testemunhos e provas dos fatos concretos relacionados a este relatório que derivam de agressões físicas, roubos, ameaças, sequestros, agressões armadas, entre outros fatos.
Além disso, uma série de mecanismos de violência estrutural foi gerada, resultando em impactos sobre a saúde física e mental de meninas, meninos, mulheres e homens nas comunidades afetadas. Neste contexto de tortura prolongada pela ORCAO, uma profunda crise foi gerada nas comunidades zapatistas na região de Moisés Gandhi e em Nuevo San Gregorio. Tudo isso, levando em conta que desde o levantamento armado de 1994 até hoje, esse tipo de situação foi reativado como um padrão de contrainsurgência enfocado em desfragmentar a resistência e a permanência da autonomia zapatista.
O dispositivo da violência está provocando de forma permanente angústia, pranto, medo, dor, sentimentos que se tornam cotidianos. Os atos de violência que a ORCAO e o grupo de pessoas armadas estão projetando têm como um componente a se tornar invisível, uma vez que são internalizados nos corpos de mulheres e crianças. Portanto, a ORCAO e o grupo de pessoas armadas estão violando o direito das mulheres a uma vida livre de violência e executando atos que são prejudiciais à integridade física, mental, social e econômica das mulheres zapatistas e suas famílias.
Expor estes mecanismos de violência mostra como o mecanismo do crime, morte e destruição funciona contra um projeto de vida que constrói autonomia.
A ORCAO e o grupo de pessoas armadas pretendem impor um estado de Guerra diário e permanente.
A ORCAO e o grupo de pessoas armadas executam atos de crueldade física direta, violência psíquica e social:
– Cercar e sequestrar famílias em suas próprias casas e terras.
– Cercar e sequestrar animais, mananciais e rios.
Esta é a implantação e reconfiguração do atual modo de operar da Guerra contra a Vida e as Autonomias
É por isso que as agressões perpetradas pela ORCAO, pelas pessoas civis armadas e pelas pessoas ligadas à organização agressora são uma ação óbvia de ataque e ataque à autonomia zapatista e à sua estrutura organizacional.
No entanto, em toda esta situação de agressões, as BAEZLN tiveram profunda paciência para não cair em provocações e preservaram a vida. Ao aumentar a violência no território, seu objetivo é romper com a estrutura capitalista, pois sua concepção é para o respeito radical da Mãe Terra, pois como eles sustentam “não somos donos da terra, somos guardiões”. É a dignidade semeada e alimentada em 26 anos de organização que torna possível que diante da dor e da raiva haja mais ideias para cuidar da esperança a partir da resistência e da autonomia dos povos. As sementes são o trabalho coletivo (trigo, artesanato feminino, loja coletiva, carpintaria, espaço de cerâmica, etc.)
As terras recuperadas são terras do EZLN, da organização que tem, após quase 27 anos de luta e resistência, uma visão de longo prazo da resistência e construção de um mundo diferente onde muitos mundos sejam construídos, onde o processo organizacional através da autonomia a partir da comunidade e da coletividade é uma das formas de construção da vida, de respeito à Mãe Terra, ou seja, um lugar de resistência onde a humanidade é construída para a humanidade.
(1) https://www.chiapasparalelo.com/noticias/ chiapas/2020/08 /civiles-armados-de-chenalho-graban-video-reclaman-tierra-en-disputa/
(2) https://www.congresonacionalindigena.org/2020/02/27/pronunciamiento-ante-el-secuestro-de-miembros-del-cni-en-chilon-chiapas-por-su-participacion-en-las-jornadas-samir-somos-todas-y-todos/
(3) https://www.congresonacionalindigena.org/2020/09/12/ejido-tila-chiapas-denuncia-publica-ataque-armado-a-ejidatarios-que-iban-a-desbloquear-al-grupo-del-ayuntamiento-paramilitar/
(4) https://www.jornada.com.mx/2020/08/25/opinion/017a1pol
(5) https://redajmaq.espora.org/content/pronunciamiento-contra-las-agresiones-las-comunidades-zapatistas