Núcleo de Trabalhadores da Educação
SIGA – SC
Em meio a pandemia de Covid-19, a Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina (SED-SC) se apressa para implementar as “atividades não-presenciais” e supostamente salvar o ano letivo de 2020. Essa pressa se manifesta em deliberações feitas pelo WhatsApp da noite para o dia – literalmente – e no completo atropelo da gestão democrática.
Já nos primeiros dias de suspensão, a SED atacou os trabalhadores da educação e dos alunos ao antecipar 15 dias do recesso de julho. O recesso é um período de descanso das atividades escolares para que possamos viajar, reunir amigos, encontrar familiares, o que é absolutamente diferente de uma quarentena em que devemos ficar em casa sem contato com ninguém!
Agora a SED quer que voltemos às aulas “a todo vapor”, com atividades não presenciais, decisão que foi tomada de forma totalmente arbitrária, de cima para baixo, e sem nenhuma consulta à comunidade escolar. A gestão democrática foi esquecida num piscar de olhos e as decisões da SED vem sendo acatadas de forma acrítica pelos gestores da praticamente todas as escolas do estado e inclusive por parte do professorado.
Nós, professoras e professores, não devemos jamais esquecer que não somos burocratas de estado. Nosso trabalho é pedagógico e nosso compromisso é com a educação, com o processo de ensino-aprendizagem de nossos alunos, e isso não se resolve com decretos ou simplesmente com a adoção de ferramentas tecnológicas. Não podemos naturalizar essas medidas de exceção, precisamos ter calma e analisar de forma crítica os impactos que as aulas não-presenciais terão, tanto em nossas condições de trabalho quanto no processo de ensino-aprendizagem.
1. Desigualdade de condições materiais
Uma primeira questão a ser considerada é as condições materiais para aplicação deste modelo. Segundo os dados da própria SED, 42% dos estudantes não possuem computador e 18% não possuem acesso à internet em casa. No caso dos professores, 8% de todo o magistério estadual não tem acesso à internet. Apenas esses dados já demostram que as atividades não-presenciais não conseguem atingir todos os estudantes da rede, rompendo com a universalidade do ensino, além de também impossibilitar uma parcela do professorado de ministrar suas atividades on-line.
A alternativa da SED para contornar isso é entregar o material físico nas escolas ou entregar nas casas. Ambas as alternativas colocam em risco alunos, familiares e trabalhadores da educação, pois na prática é a flexibilização do isolamento social. Além disso, devemos considerar o manuseio do material que passa de mão em mão. O governo diz, porém, que tudo isso será realizado dentro dos protocolos de higienização, mas a verdade é que nenhum de nós estamos habituados a realizar.
Isso significa ainda um aprofundamento da desigualdade, visto que os alunos mais pobres serão os mais prejudicados e também terão maior risco de contaminação ao terem que ir à escola para receber as atividades.
Além disso, esse modelo representa a “uberização” do trabalho docente, já que somos nós mesmos (e também os alunos) que teremos que arcar com os custos do nosso trabalho, utilizando nossos próprios recursos e nossos equipamentos pessoais.
2. Qualificação às pressas
Uma segunda questão é a qualificação de professores e alunos para a utilização das plataformas digitais. A SED quer que aprendamos em tempo recorde as novas ferramentas. Tudo isso implica em uma dinâmica de atividade absolutamente diferente da dinâmica em sala de aula. Todo o conteúdo deverá ser adaptado para as plataformas digitais, o que também exigem uma qualificação específica para os professores na elaboração dessas atividades. Se muitos professores já se complicam com os conhecidos projetores, imagina com um programa que deveremos aprender a utilizar em uma semana! Se considerarmos que muitos professores não se atualizam acerca de conteúdos que tangenciam seu trabalho, dada a precarização da carreira docente, carregarão ainda um outro problema, agora de ordem tecnológica.
Isso também impacta nos alunos e familiares. Estes terão que aprender o manuseio destas ferramentas em casa, sem quase nenhuma orientação. Se houver dificuldades no manuseio, problemas com os aparelhos eletrônicos ou com a internet, como será? Serão os alunos os maiores prejudicados por qualquer problema técnico.
Para além dessas questões de ordem material e técnica, devemos analisar criticamente o próprio modelo de Educação a Distância, considerando seus impactos pedagógicos, suas consequências na relação professor-aluno, e também o próprio interesse das empresas que ofertam as ferramentas para o ensino on-line.
3. Ensino não é só conteúdo.
Quando falamos de educação não falamos apenas de conteúdo, o processo de aprendizagem envolve uma séria de relações. Presencialmente os alunos tem relação direta com os professores, seja dentro ou fora da sala, interação nas salas de aula, relação com o espaço da escola, com a biblioteca, com seus colegas, com outros trabalhadores da escola. Os alunos fazem trabalho em grupo, socializam na hora do intervalo, fazem atividade física, enfim, é um ambiente totalmente diferente de uma classroom (sala de aula) do ambiente virtual.
É importante dizer que não somos contrários à utilização de tecnologias e de meios virtuais de atividade, mas também é importante lembrar que na história do capitalismo, a “modernização” do trabalho geralmente significa a substituição do trabalho humano e não a sua facilitação. Quando se considera que uma simples vide-aula pode substituir o professor e a escola, abrimos espaço para que nosso trabalho se torne inútil. Mesmo para a produção de conteúdos virtuais o professor pode ser substituído, pois o ambiente virtual não é uma sala de aula real, ministrar uma aula para 35 alunos em uma sala é diferente de gravar um vídeo.
O trabalho docente já mudou muito nos últimos anos, por exemplo, com substituição do velho mimeógrafo, com a utilização de projetores para passar slides, filmes, documentários, disponibilização de livros virtuais, plataforma professor on-line, etc. É um mito dizer que o trabalho docente é “arcaico” e o mesmo que a décadas atrás. A diferença, porém, é como e por quem são aplicadas essas novas tecnologias. São aplicadas por nós, professoras e professores, na medida de nossas necessidades? Ou por decretos da burocracia estatal em parceria com grandes empresas de produção de conteúdo educacional?
O que de fato é arcaico é considerar a formação humana como simples transmissão de conteúdo, achando que o processo de ensino-aprendizagem pode ser feito por máquinas, afinal, é só passar um conteúdo apostilado, controlar falta e aplicar avaliação. Essa concepção é a morte de qualquer formação humana.
4. Educação à Distância, um projeto para o futuro.
Como disse o secretário estadual de educação, Natalino Uggioni, a SED vem aplicando o EaD como medida emergencial devido à crise do coronavírus, mas que trabalham pensando na futura inserção destas plataformas no trabalho cotidiano do corpo docente. Neste sentido, a pandemia tem se tornado um terreno fértil para as grandes empresas do mercado de tecnologia digital, conhecidas como as cinco grandes do BigData (Google, Apple, Facebook, Amazon e Microsoft).
No ano de 2015, a SED-SC firmou parceria com a QiNetwork, empresa representante dos serviços da Google no estado de SC. Iniciado no ano de 2016 através de um piloto realizado em 36 escolas estaduais, o projeto Google for Education pouco avançou nas escolas, muito por conta das dificuldades de infraestrutura tecnológica (serviços de banda larga, equipamentos eletrônicos) e de formação de professores para a integração desse modelo ao currículo. Agora a empresa Google tem a chance de ouro para fazer avançar seu projeto sobre as escolas públicas catarinenses.
Apesar da Google permitir acesso gratuito a seus produtos, sabemos que toda empresa tem por objetivo o lucro, assim, ou o estado fará repasse da verba pública às empresas, ou estas irão obter seu lucro por meio da venda de dados de professores e alunos. Sabemos que muitas dessas empresas utilizam a massiva quantidade de dados que recolhem para lucrar por meio da venda desses dados para utilização em propaganda direcionada. Quais são os termos de utilização destas plataformas virtuais? Como irão utilizar os dados recolhidos de professores e alunos? Nosso trabalho se tornará apenas mais uma forma de colher dados e gerar lucro para grandes empresas?
Em resumo,o Estado utiliza-se desse momento de despreparo e desamparo geral para implementar medidas a muito tempo visadas pelos governos e empresários: a substituição de professores – efetivos e contratados – por empresas privadas e suas plataformas digitais que prometem dar conta da interação professor-aluno. Estão agora nos colocando a teste para implementação de um ensino pro qual não fomos capacitados e sem um estudo prévio e preciso sobre as condições para efetivá-lo. Um processo completamente absurdo e irresponsável!
Vivemos hoje um momento de grande tensão, onde as famílias têm inúmeras outras preocupações em casa, como garantir seus empregos, comida para seus filhos, a saúde de seus entes, protocolos de higienização que nenhum de nós estamos habituados. Todo um cuidado a ser promovido em condições adversas. Não são todas as famílias que possuem água tratada, inclusive muitas comunidades sofrem com falta d’água. São muitos também aqueles que fazem parte do grupo de risco, sejam profissionais da educação, estudantes ou seus respectivos familiares. É preciso que aprendamos com essa crise a lição mais importante: sermos responsáveis com as vidas alheias, uma responsabilidade coletiva e social.
É explícito a preocupação da SED-SC com o cumprimento das 800 horas exigidas pelo governo federal, ainda que seja de forma precária. Por outro lado, a preocupação das empresas é lucrar diante da pandemia. Eles se aproveitam do estado de emergência na saúde pública para preparar o leilão da educação pública aos aplicativos de grandes empresas de tecnologia educacional.
Se o governo e as empresas fingem que se preocupam com a educação, nós não podemos fingir que ensinamos enquanto nossos alunos fingem que aprendem. Não podemos ser os funcionários passivos de um processo de precarização das nossas condições de trabalho e da educação em geral. É necessário que a comunidade escolar seja consultada, para que juntos possamos planejar como será o ano letivo de 2020 diante da pandemia.
Nós, do SIGA – SC, levantamos as seguintes propostas:
1. Suspensão das aulas até pelo menos agosto de 2020;
2. Consulta à comunidade escolar para construção de um plano de retomada das atividades referentes ao ano letivo de 2020, no segundo semestre do presente ano;
3. Elaboração de um plano de emergência, caso o isolamento se prolongue para além de agosto;
4. Garantia do direito a férias num novo calendário a ser proposto após cessar o período de isolamento necessário para contenção da pandemia provocada pela Covid-19;
5. Garantia dos contratos ACT´s durante o período de isolamento e sua renovação para reposição das aulas referentes ao ano letivo de 2020;
6. Garantia de salários e vale-alimentação, a todos os servidores da educação: professores, técnicos e terceirizados;
7. Auxílio às famílias dos estudantes com fornecimento de cestas básicas durante todo o período de isolamento.
Sindicato Geral Autônomo de Santa Catarina
wpp: (44) 9 8413-1493
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acesse: lutafob.wordpress.com
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