A carta a seguir foi elaborada pelo núcleo da FOB-MS conjuntamente ao SIGA-DF, com intuito de apresentá-la na IX grande assembleia das mulheres Guarani e Kaiowá ocorrida em Brasília entre os dias 2 a 6 de setembro. A carta segue a participação de nossa organização através do Bloco Terra e Liberdade no Acampamento Pela Vida e nos diferentes atos contra o Marco Temporal que demarcaram a maior mobilização indígena da história recente do país, seguida do acampamento e II Marcha das Mulheres Indígenas.
Nós, da Federação das Organizações Sindicalistas Revolucionárias do Brasil (FOB), saudamos às companheiras da Kunhangue Aty Guasu e a todo povo Guarani e Kaiowá por sua histórica resistência anticolonial, construída com a força do chirú, mbaraká e takuapu[1], com as rezas, memórias e sonhos dos nhanderu e nhandesy, que guiam os guerreiros e guerreiras pela libertação dos tekoha[2] e do bem viver. Agradecemos a Kunhangue Aty Guasu pelo espaço de participação na mobilização nacional indígena, acompanhando sua delegação, e em sua assembleia neste importante momento de luta contra as violências e violações das vidas das mulheres indígenas e de seus corpos-territórios. Nos somamos aqui às vozes presentes frente a todos os silenciamentos.
Como sindicalistas revolucionários, nos guiamos pela autonomia, pela combatividade e pela auto-organização de trabalhadores e trabalhadoras pelos seus direitos e pela construção de um novo mundo, caminhando lado a lado com os povos do campo e da cidade. Não somos e não temos nenhum vínculo com governos, instituições, partidos ou empresas. Nossa organização acredita que a solidariedade, enquanto importante ferramenta de luta, se constrói pela base, pelo trabalho diário lado a lado do povo. Acreditamos que só o povo salva o povo e por isso nos somamos ao chamado do grande levante pela terra e pela vida que os povos indígenas de todo país convocaram.
Por meio do Bloco Terra e liberdade, acompanhamos o acampamento do Levante Pela Vida ao longo de semanas de mobilização e percebemos o Supremo Tribunal Federal fazer novamente o jogo do latifúndio, ao adiar inúmeras vezes e dificultar a conclusão do julgamento do Marco Temporal, em clara tentativa de desmobilização e delegação da decisão ao Congresso. As bases dos povos indígenas, no entanto, em todos os cantos do país, bloquearam rodovias e deram um claro recado ao governo: os povos não irão se curvar frente às ameaças do Marco Temporal e do PL 490/07[3]. Este contexto reforça as palavras de ordem: é preciso avançar as retomadas e destruir o latifúndio, para libertar os povos do campo, das florestas e cidades da opressão e exploração.
Entendemos as retomadas Guarani e Kaiowá como escolas de luta e da importância de ocupar a terra para fazer brotar a vida saudável que vem sendo assassinada pelo genocídio contra nosso povo. Por isso, não mediremos esforços para lutar ombro a ombro nas retomadas dos tekoha e dos tekoha guasu que, um dia, temos certeza: finalmente serão recuperadas das garras do latifúndio.
Neste momento político do Brasil, de avanço do fascismo bolsonarista, da expansão da exploração dos territórios indígenas e da precarização da vida das pessoas pobres-negras-indígenas, acompanhamos no MS o aumento das violências contra as Nhandesy e Nhanderu[4], os incêndios das casas de reza, as violências física e psicológicas às mulheres indígenas, o feminicídio, os ataques às retomadas em meio a pandemia quando o povo enfrenta a precarização profunda no setor da saúde indígena, a fome, o desemprego e o aumento das condições de exploração do trabalho. Também percebemos o avanço dos arrendamentos de terra para plantação de monoculturas do agronegócio, que faz parte do mesmo projeto de extermínio por trás de Projetos de Lei como o PL 490 de 2007 ou o Marco Temporal, colocando o povo contra o povo em conflitos internos causados pelos karaí – não indígena – donos do poder.
Essas violências são parte do mundo capitalista, colonialista, racista e patriarcal que impõe um modo violento de agir no mundo e que atinge principalmente os corpos-territórios das mulheres indígenas.
Inspirados pelas palavras de Facundo Jones Huala, importante guerreiro Mapuche, afirmamos: O latifúndio e a exploração são a fonte de nossa miséria e da situação de dominação. O latifúndio se apoderou da maior parte das terras sagradas Guarani e Kaiowá e nos submeteu, enquanto maiorias populares e com maior brutalidade aos povos indígenas, a condição de explorados em benefício dos karaí. Através da recuperação das terras e da destruição da propriedade privada do explorador, o ser Guarani e Kaiowá se fortalecerá, debilitando o poder econômico e político karaí. O capitalismo nos divide em classes: de um lado os ricos, do outro lado o povo; o colonialismo a mais de 500 anos tenta apagar nossa existência, e se conecta diretamente ao racismo; o patriarcado é o grande sistema de dominação e violência contra as mulheres, que é a base de todos os Estados. A construção de territórios libertos dessas violências se faz na luta cotidiana e não ocorrerá sem as mulheres indígenas.
O sistema que vivemos, definido pelos Guarani e Kaiowá como o karai reko capitalista, não pode ser reformado. Chegou a hora de reagir, de preparar a grande rebelião indígena e popular pela terra, para que possamos libertar da opressão a todo o mundo. A luta dos Guarani e Kaiowá é a luta de todos e todas as combatentes da liberdade. Esperamos que neste momento histórico, todo mundo volte a repensar a verdadeira história e também a estrutura dessa sociedade capitalista e opressora que nos mantém na miséria, que se mantém através da força da repressão e da tortura, por culpa dos porcos policiais que nos mantém encarcerados e cuidam dos interesses dos poderosos, dos ricos. Durante essas semanas de mobilização e durante a grande assembleia das mulheres, os Guarani e Kaiowá irão dar uma aula de história, irão transformar essa história de opressão que durante mais de 500 anos nos manteve na marginalidade. Somos combatentes ancestrais da liberdade, companheiros e companheiras. Nossa vitória só será possível quando unirmos força em uma aliança dos povos do campo e dos povos da cidade, entre os povos explorados e oprimidos que hoje se levantam ao redor do mundo inteiro contra o capitalismo, o colonialismo e o patriarcado.
Frente a imposição de um estado de guerra, nosso povo não vai sucumbir no sentido de estar submetido ou permanecer oprimido, temos o legítimo direito à rebelião e defesa.
Até a vitória ou a morte!
AUTODEMARCAÇÃO JÁ!
ABAIXO A PL 490/07!
A CLASSE TRABALHADORA DIZ NÃO AO MARCO TEMPORAL E AO PL 490/07!
[1] Artefatos e instrumentos sagrados do povo Guarani e Kaiowá.
[2] Território ancestral Guarani e Kaiowá.
[3] O Marco Temporal postula que os povos indígenas somente teriam direito à terra se estivessem as ocupando no dia 5 de outubro de 1988. O PL 490/07 muda a forma com que a demarcação de terras é realizada, transformando-a em projeto de lei através do Congresso Nacional, e permite o ingresso do agronegócio e do extrativismo em terras indígenas. Todos esses temas foram tratados nos recentes números do Boletim Terra e Liberdade, disponíveis no site da FOB: https://lutafob.org/8913/.
[4] Rezadoras e rezadores do povo Guarani e Kaiowá.
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