Entre os dias 10 a 14 de setembro, ocorreu a III Grande Assembleia da Juventude Guarani e Kaiowá, nomeada Retomada Aty Jovem (RAJ), na aldeia de Porto Lindo.
A aldeia está localizada no extremo sul do estado do Mato Grosso do Sul, fazendo fronteira com o Paraguai e o Paraná entre os municípios em suas proximidades. A aldeia é composta majoritariamente pela etnia Guarani. Em suas cercanias, está a retomada do Tekoha Yvy Katu, que também nomeia a Terra Indígena que abrange a aldeia Porto Lindo.
Yvy Katu é considerada a “mãe de todas as retomadas”, pelos processos históricos que conduziram a luta pela sua recuperação, onde estão presentes 13 retomadas abrangendo mais de 9.000 hectares.
A RAJ está ativa desde 2016, quando ocorreu seu primeiro encontro na retomada de Paraguassu e vem mobilizando os jovens Guarani e Kaiowá para a luta pela terra, assim como, para a recuperação de si mesmos, para que se reconheçam enquanto povo e em suas lutas.
Eles vivem em um contexto onde a falta de perspectivas de vida se mescla aos processos de proletarização marginal, conduzindo consideráveis massas do povo para o corte de cana-de-açúcar, a construção civil, a colheita de maçãs, a coleta de lixo, prostituição, trabalho doméstico não remunerado, entre outros.
Esse contexto reflete os efeitos devastadores da colonização, associados a um número elevado de suicídios e da guerra fratricida, que divide importantes frações da juventude em meio a inserção do tráfico e do uso de drogas e álcool nas Reservas.
Compreendemos que este quadro é consequência da desterritorialização imposta pelo Estado e da reterritorialização em condições precárias, que através da entrada de empresas e da consolidação do agronegócio causou a expulsão dos Guarani e Kaiowá de suas terras tradicionais, gestando a guerra produzida pelo latifúndio.
A RAJ aponta no documento final da assembleia que “o modo de vida que se tem nas reservas é o objetivo do Estado para nos controlar, mas nesses espaços, como o da RAJ, aprendemos com os jovens das retomadas que precisamos lutar”.
O fragmento acima, que consta na carta final, coloca em evidência o intenso e permanente trabalho de base que resulta na construção e nas resoluções finais das assembleias, para o estabelecimento de uma atuação contínua no seio do povo.
Como parte dos objetivos da RAJ, a juventude Guarani e Kaiowá se levanta pela recuperação de suas terras e expandindo suas reivindicações para o campo da educação, da saúde, da luta antirracista e anticolonial, e pela autodemarcação dos Tekoha, expressando a sua consciência da falência do Estado brasileiro no que diz respeito ao cumprimento dos processos de demarcação e respeito ao modo de vida Kaiowa e Guarani.
Todos esses elementos, assim como suas reivindicações centrais, foram debatidas longamente nos Grupos de Trabalho durante a assembleia.
Nesse processo floresce também a construção da insurgência das mulheres jovens, pautando reivindicações de seus direitos e construção da autonomia frente ao sistema patriarcal.
Esta mesma juventude, como linha de frente das grandes revoltas de seu povo, também batalha por uma outra ecologia, reivindicando floresta e água em oposição a destruição promovida pela territorialização da monocultura, pelas empresas multinacionais e indústrias que devastam o território indígena através de ataques químicos com agrotóxicos, envenenando a terra e as nascentes, como anunciam também na carta final do encontro do RAJ.
A assembleia definiu que será criada uma Rede de Jovens Kaiowá e Guarani em cada Tekoha, acompanhando o movimento com as lideranças locais, os rezadores (Nhanderu) e as rezadoras (Nhandesy), assim como uma rede de comunicação através de materiais audiovisuais.
A RECC/FOB esteve presente na assembleia, através de nosso Comitê de Propaganda e de outros núcleos do país, saudando a resistência jovem Guarani e Kaiowá, e participando dos espaços concedidos, respeitando a autonomia dos companheiros e companheiras da RAJ, que abriram as rodas dos Grupos de Trabalho para nossa participação nos debates sobre território, saúde, educação e autonomia.
Nosso intuito foi nos solidarizar às ações do povo na luta pela terra, e aprender junto ao povo, por considerarmos a resistência indígena uma das expressões mais radicais da luta contra o capital que avança sobre os últimos territórios para promover a barbárie da exploração.
Desde suas crianças, até os mais antigos anciões e anciãs, a luta cotidiana e o conhecimento de sua história nos ensinaram valiosas lições para a luta revolucionária. Com a força de suas rezas e da mobilização de base, a luta continuará.
Cada conversa ao redor da escuridão das noites de celebração e partilha após longos dias de debate e formação, nos faz recordar a frase de um pequeno guerreiro, que nos afirmou: “não tenho medo de morrer. Se eu morrer na luta, outro vai nascer no meu lugar. O que eu temo é a morte do meu povo. Mas nós vamos lutar até o último sangue derramado”.
Defendemos a construção de comitês de apoio à luta indígena em cada local de estudo e trabalho, para a efetivação de uma rede de solidariedade nacional entre os povos do campo e da cidade, com o intuito finalista da revolução social, que não pode escapar a aliança operário-camponesa-indígena.
Viva a resistência da juventude Guarani e Kaiowá!
Por um mundo onde caibam muitos mundos!
Terra e Liberdade!
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