Sindicalismo Revolucionário: origens, concepções e atualidade

Sindicalismo Revolucionário: origens, concepções e atualidade

Contribuição ao 2º ENOPES,
2017


A (re)organização do Sindicalismo Revolucionário é uma exigência histórica da luta de classes. O movimento da classe trabalhadora, enquanto movimento internacional, está passando há décadas por ciclos de ascensão das lutas, incluindo ciclos de insurgências, como o contexto atual. Entretanto, as organizações dos trabalhadores, bem como as concepções dominantes no interior do movimento dos trabalhadores, as concepções social-democratas, são incapazes de responder aos desafios imediatos e históricos dos trabalhadores.

Entretanto, podemos encontrar no modelo organizativo, estratégico e programático do Sindicalismo Revolucionário, as respostas fundamentais do momento atual. Para isso é necessário recuperar a gênese e as concepções do Sindicalismo Revolucionário, com o objetivo de entender sua atualidade para a luta de classes.

1. Sindicalismo Revolucionário: gênese e concepções

Encontramos no processo de formação e consolidação da Associação Internacional dos Trabalhadores, fundada na Europa em 1864, a gênese do Sindicalismo Revolucionário. A AIT reuniu uma pluralidade de organizações da classe trabalhadora, trade-unions, associações operárias, sociedades de resistência, associações de ajuda mútua, cooperativas, uniões de trabalhadores, círculos de educação e cultura proletárias, dentre outras. Da mesma forma que reuniu diferentes concepções do movimento operário da época: mutualistas individualistas, mutualistas coletivistas, anarquistas, comunistas, trande-unionistas, socialdemocratas.

Foi no Congresso da AIT de 1868 que as teses das concepções coletivistas foram aprovadas e as bases do sindicalismo revolucionário foram lançadas. Um das principais defesa da propriedade coletiva foi elaborada pela Seção Belga de Bruxelas e a presentada pelo tipógrafo César De Paepe, coletivista defensor do mutualismo de Proudhon. Segue um trecho de destaque da argumentação elaborada pelos coletivistas belgas:

“A principal reprovação feita a este sistema de propriedade coletiva concedida a toda a sociedade (e esta é uma séria reprovação) é que, ao querer salvaguardar a sociedade contra a coalizão fazendeiro-proprietário, ela coloca os camponeses, e com eles toda a sociedade, sob o jugo do Estado e abre as portas para a mais temível autocracia governamental. Notemos, entretanto, que nenhum dos apoiadores deste sistema está pedindo sua entronização na sociedade atual, muito menos com o Estado tal como ele é constituído hoje. Eles esperam que o Estado se tenha tornado, a partir de um Estado puramente político como é hoje, um Estado econômico, ou seja, que não seja mais do que a federação dos vários grupos de trabalhadores representados por seus delegados. E, por outro lado, esta grande transformação da propriedade territorial é, segundo eles, inseparável de toda uma série de outras reformas econômicas relativas ao capital ou à propriedade, e de uma reforma radical no estado das consciências. Tais são, em termos geral, as diversas formas de apropriação coletiva das terras, cada uma das quais tem seus apoiadores em nossa seção de Bruxelas em nome da ciência, e a grande propriedade individual é condenada em nome da justiça. Para nós, portanto, não há meio-termo: deve ser a propriedade dos trabalhadores rurais associados, ou a propriedade da sociedade como um todo. O futuro decidirá.” (SEÇÃO DE BRUXELAS apud FREYMOND, 1973 [Tomo I]: 532).

Nas concepções dos coletivistas belgas a organização político-social das federações livres das associações e cooperativas de trabalhadores constituiriam a estrutura estatal da futura sociedade, um “Estado econômico”, isto é, um Estado organizado pelas classes produtivas – camponeses e operários, diferente do atual “Estado político”, sob o domínio das classes privilegiadas. Portanto, na defesa dos coletivistas belgas, a propriedade coletiva, condição necessária para o estabelecimento de relações mutuais e de reciprocidade, encontrava-se indissociável da defesa do sistema político federalista.

É importante ressaltar que posteriormente os coletivistas concluem que utilizavam equivocadamente a noção de Estado como sinônimo de coletividade social e para se referir à sociedade socialista futura. O trecho das Memórias da Federação Jurassiana, dos coletivistas suíços, aborda esse tema:

“A partir daí, houve um debate na Internacional sobre o verdadeiro significado que deveria ser dado a essas noções “Estado Regenerado”, “Estado Socialista”, “Estado Popular”, etc., anarquistas ou coletivistas federalistas, tinha pensado que era necessário uma nova concepção e que o uso da palavra Estado poderia levar a ambiguidades perigosas. Por isso, deixaram de designar, sob o nome de Estado, a comunidade social, e passou a usou exclusivamente a palavra Estado para designar um poder, um governo, eleito ou não pelo povo, e externo e superior ao próprio povo; enquanto a concepção coletivista-federalista da sociedade humana foi definida como “a livre federação de associações livres de produtores.”(FÉDÉRATION JURASSIANNE, 1873: 30).

Assim, as concepções coletivistas podem ser resumidas em quatro princípios: 1) a defesa da propriedade coletiva; 2) as organizações da classe trabalhadora são consideradas o germe da sociedade futura; 3) a organização da sociedade socialista significa a livre federação das comunas e associações da classe trabalhadora; 4) a Greve Geral é a estratégia principal da luta pela emancipação dos trabalhadores. Ou seja, trata-se de uma concepção sindicalista revolucionária porque são as organizações dos trabalhadores que protagonizam toda a luta revolucionária. As concepções coletivistas materializaram a palavra de ordem: “A emancipação dos trabalhadores, será obra dos próprios trabalhadores”.

Depois da cisão entre anarquistas e comunistas no Congresso de 1872, os coletivistas e anarquistas mantiveram a atuação da AIT a década de 1880. Assim, no final do século XIX e início do século XX, os movimento operário internacional passa por um novo processo de reorganização: a fundação de confederações nacionais sob a égide do Sindicalismo Revolucionário: CGT francesa, CNT espanhola, IWW norte-americana, USI italiana, COB brasileira, FORA argentina, FAU alemã, Casa del Obrero Mundial México, FORU uruguaia, FTCH chilena, dentre outras.

O Congresso da CGT, realizado em 1906 na cidade francesa de Amiens, é considerado o marco da consolidação do Sindicalismo Revolucionário, pois a Carta de Amiens resumiu as tarefas dos sindicatos revolucionários: primeiro preparar a emancipação completa da classe trabalhadora, que só pode ser alcançada através da expropriação capitalista, e em segundo lugar, a defesa da greve geral como meio ação e por fim, considera os sindicatos, que hoje são responsáveis pela resistência, serão, no futuro, os responsáveis pela produção e pela distribuição da riqueza, ou seja, a base da reorganização social.

“O Congresso confederal de Amiens confirma o artigo 2, constitutivo da CGT;
A CGT agrupa, fora de toda escola política, todos os trabalhadores conscientes da luta dirigida pela desaparição do assalariado e do patronato…;
O Congresso considera que esta declaração é um reconhecimento da luta de classes que opõe, no terreno econômico, os trabalhadores em revolta contra todas as formas de exploração e de opressão, tanto materiais quanto morais, colocadas em prática pela classe capitalista contra a classe operária;
O Congresso reforça, através dos seguintes pontos, tal afirmação teórica:
Por obra da reivindicação cotidiana, o sindicalismo procura a coordenação dos esforços obreiros, o aumento do bem-estar dos trabalhadores através da realização de melhorias imediatas, tais como a diminuição das horas de trabalho, o aumento dos salários, etc.;
Mas esta tarefa não é senão um flanco da prática do sindicalismo; ele prepara a emancipação integral; que não pode realizar-se senão através da expropriação capitalista; preconiza como meio de ação a greve geral e considera que o sindicato, hoje agrupamento de resistência, será no porvir o agrupamento de produção e de repartição, base da organização social;
O Congresso declara que esta dupla tarefa, a cotidiana e a do porvir, decorre da situação de assalariado que pesa sobre a classe operária e que faz com que todos os trabalhadores, sejam quais forem suas opiniões ou tendências políticas e filosóficas, tenham o dever de pertencera este agrupamento essencial, que é o sindicato.
Como consequência, no que concerne aos indivíduos, o Congresso afirma a total liberdade do afiliado participar, fora do agrupamento corporativo, das formas de luta que bem corresponderem à sua concepção filosófica ou política, reservando-se à solicitar-lhe, em reciprocidade, que não introduza nos sindicatos as opiniões que professa fora deste;
No que concerne às organizações, o Congresso decide que a fim de que o sindicalismo atinja seu máximo efeito, a ação econômica deve-se exercer diretamente contra o patronato, as organizações confederadas não devem, enquanto agrupamentos sindicais, lidar com partidos e seitas que, fora dele e ao lado dele, podem perseguir com total liberdade a transformação social.” (A Carta de Amiens, IXº Congresso da CGT Amiens – 8-13 de outubro de 1906)

Os princípios do Sindicalismo Revolucionário são: 1) a revolução social, ou seja, a emancipação dos trabalhadores e trabalhadoras, é o resultado das lutas das organizações sindicais e demais movimentos da classe trabalhadora; 2) defender o socialismo é defender a propriedade coletiva; 3) o socialismo é a livre federação das comunas e das associações da classe trabalhadora; 4) a greve geral é um instrumento para a emancipação da classe trabalhadora.

2. A atualidade do Sindicalismo Revolucionário: a ação direta e a Greve Geral

Após a Segunda Guerra Mundial o Sindicalismo Social-democrata tornou-se hegemônico. Podemos encontrar no sindicalismo cutista no Brasil um exemplo clássico do Sindicalismo Social-democrata. As resoluções do congresso da CUT de 1986 são elucidativas dessa concepção de sindicalismo:

A CUT considera que a definição de um projeto alternativo e a própria conquista do poder político são objetivos legítimos e fundamentais para a classe trabalhadora transformar a sociedade brasileira e eliminar as formas de exploração e opressão sobre os trabalhadores. No entanto, o instrumento fundamental de definição do programa da classe e da estratégia política do poder são os partidos políticos que estiverem efetivamente comprometidos com as aspirações históricas da classe trabalhadora (Resoluções do II CONCUT, 1986).

A diferença de concepção é nítida. Enquanto para o Sindicalismo Revolucionário é papel dos sindicatos a emancipação dos trabalhadores como obras dos próprios trabalhadores, o sindicalismo cutista, Social-democrata, define a conquista do poder político como uma tarefa dos partidos políticos comprometidos (sic) com a classe trabalhadora.

O princípio da ação direta é uma das explicações dessa diferença. O Sindicalismo Revolucionário defende a ação direta, isto é, as ações autônomas e auto-organizadas dos trabalhadores e trabalhadoras, sem o intermédio de qualquer organismo externo às próprias organizações da classe, sejam partidos, órgãos do Estado, empresas capitalistas, igrejas, etc. Ao contrário dessa concepção, o sindicalismo cutista transfere para os partidos políticos a tarefa da luta pela conquista do poder político, ou seja, retira o protagonismo das organizações sindicais e subordina as próprias ações e lutas dos sindicatos aos interesses de partidos políticos pela conquista do poder.

Ao defender a bandeira “Eleições Diretas Já”, como a saída para a crise social e para impedir as Reformas do Governo Termer/PMDB, o sindicalismo cutista atualiza o princípio da subordinação das lutas sindicais aos interesses eleitorais pela conquista do poder. E os argumentos dos defensores dessa bandeira explicitam sua concepção em defesa da ordem e subordinação das lutas populares: primeiro argumentam que somente um governo eleito pelas urnas teria legitimidade, ou seja, consideram legítimos os governos eleitos para o Estado burguês; em segundo lugar, argumentam que defendem as eleições porque o povo ainda não tem consciência para uma alternativa de tipo socialista, ou seja, o povo estaria sempre despreparado, sem consciência da sua própria condição e sem a direção do seu próprio destino.

Também é importante destacar que a pauta das “Eleições Diretas Já” é inócua, uma vez que é impossível “conquistar o poder político” pela via eleitoral, isto é, sem destruir o sistema de exploração de dominação da sociedade burguesa patriarcal. A autoridade política do cargo da Presidência da República é tão somente a gestão executiva do Estado burguês patriarcal, é o atendimento dos interesses das classes dominantes, seja diretamente, seja via pacto de conciliação de classes. Portanto, a luta é pela emancipação da classe trabalhadora, pela construção do poder popular. Socialismo ou barbárie!

Portanto, a ação direta é a auto-organização da classe trabalhadora. São os trabalhadores e trabalhadoras assumindo os destinos de suas próprias lutas, negando os princípios da representatividade burguesa, bem como superando o voluntarismo e o espontaneísmo da propaganda pelo fato. Ou seja, a ação direta é a ação coletiva organizada pela classe trabalhadora inserida nas estratégias de luta e resistência contra o Estado e a burguesia.

Outra diferença fundamental do sindicalismo revolucionário é o papel atribuído à Greve Geral. As “centrais sindicais” burocratizadas, em geral, entendem que a Greve Geral é um dia em que todos os trabalhadores e trabalhadoras ficariam em suas casas. A fala de uma dirigente da CUT numa das plenárias das “centrais” no Rio foi bem didática: “A greve geral dos nossos sonhos (sic) é o dia em que ninguém vai sair de casa”. Fica explícito, que as atuais burocracias sindicais não têm qualquer compromisso com a Greve Geral histórica criada como estratégia privilegiada de luta do conjunto da classe trabalhadora contra o Estado e a burguesia.

A Greve Geral, enquanto estratégia específica de luta foi debatida e aprovada no Congresso da AIT de 1867, como estratégia de combater a guerra entre as nações imperialistas. Portanto, a insurreição da Comuna de Paris (1871) em oposição à Guerra Franco-prussiana foi a aplicação da estratégia da Greve Geral contra a guerra. A experiência da Comuna de Paris se tornou referência para as lutas internacionais da classe trabalhadora e, por ocasião da organização do sindicalismo revolucionário no final do século XIX e início do século XX, a Greve Geral passou a ser entendida com a estratégia da luta insurrecional revolucionária, inclusive na luta internacional pela redução da jornada de trabalho.

As greves gerais foram deflagradas em todas as partes do mundo. Na Europa culminarão com a Revolução Russo de 1917, no contexto da Primeira Guerra Mundial, e também por todo o Continente Americano, incluindo a Greve Geral de 1917 no Brasil contra a carestia de vida e pela redução da jornada de trabalho. Durante a Greve Geral histórica de 1917 em São Paulo, as Ligas dos Bairros foram os centros da organização dos trabalhadores e trabalhadoras, tendo o Comitê de Defesa Proletária com o espaço de unificação das lutas e reivindicações. Atuaram, portanto, a exemplo das Comunas e dos Sovietes, em órgãos de contra poder, ou melhor, de poder popular.

Portanto, na luta contra as Reformas do Governo Temer/PMDB, bem como a luta contra a superexploração de trabalhadores e trabalhadoras contra a máquina genocida do Estado Capitalista Supremacista, deve ter como estratégia da Greve Geral Insurrecional, tendo como princípios: 1) a ação direta; 2) a construção pelas bases autônomas dos movimentos sociais; 3) a organização de espaços de contra poder, capazes de apontar para a ruptura com a ordem e a construção do poder popular: o socialismo.

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