Através desta carta, apresentamos a construção do Comitê de Propaganda da Rede Estudantil Classista e Combativa (CP-RECC), e da construção da Federação das Organizações Sindicalistas Revolucionárias do Brasil (FOB) de Dourados, Mato Grosso do Sul (MS). Nosso intuito é fazer avançar o sindicalismo revolucionário, cerrando fileiras aos povos indígenas na luta pela terra, no contexto de nossa localidade fronteiriça: a faixa de gaza brasileira. Nosso propósito é atuar na defesa intransigente da revolução, da greve geral pela base, da solidariedade às autonomias territoriais indígenas insurgentes, através da combatividade, da autonomia e independência, da horizontalidade, do anti-governismo e da ação direta. Inauguramos o CP justamente no dia 1º de maio, onde realizamos nossa primeira ação junto à apoiadores em bairro periférico da região, dialogando com trabalhadores e trabalhadoras do comércio, da indústria, autônomos; trabalhadores e trabalhadoras desempregados; professores, estudantes e aposentados. Ressaltamos que neste primeiro de maio, os trabalhadores das usinas de cana-de-açúcar não pararam, em sua jornada extenuante de trabalho que tem entrada as 4h da manhã, já empunhando seus facões.
Sobre o contexto em que vivemos, não poderíamos iniciar de outro modo senão pela saudação da resistência indígena. O povo Guarani e Kaiowá inicia o ano de 2018, no estado do Mato Grosso do Sul, anunciando grandes levantes em defesa das retomadas Jeroky Guasu e Guapo’y, na região de Caarapó, então ameaçadas de despejo. A mobilização resultou em importante vitória do movimento indígena, que barrou mais um ataque do latifúndio através de sua combatividade, erguendo resistência até a morte pelo território, em contexto de aprofundamento das políticas anti-indígenas comandadas pelo agronegócio e o Estado brasileiro. As frentes de colonização estatal no MS remontam ao amplo processo de expulsão dos Guarani e Kaiowá e subsequente confinamento em reservas, que se encontram hoje superlotadas, demarcadas pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), anterior à FUNAI, nas primeiras décadas do século 20. A Reserva Indígena de Dourados, por exemplo, totaliza apenas 3.500 hectares para mais de 10.000 pessoas. Os postos de trabalho mais precarizados no estado são ocupados por indígenas, a exemplo da coleta de lixo, das cooperativas de reciclagem, da construção civil, telemarketing, trabalho doméstico, prostituição, e o trabalho nas usinas, incluindo o corte de cana-de-açúcar, apesar da ampliação da mecanização.
O esbulho territorial, o confinamento e a escravização de mão-de-obra indígena tem início nos ervais, no final do século XIX. A erva-mate, através da Companhia Matte Laranjeiras, sendo seguida pela formação da Colônia Agrícola de Dourados (CAND) e a expansão da pecuária através da ditadura Vargas, e finalmente, a consolidação das monoculturas de soja, milho, cana-de-açúcar e eucalipto, até o tempo presente fazem sangrar as terras indígenas do pantanal ao cone sul do estado, aprofundando o genocídio e etnocídio das 9 etnias presentes no MS (Guarani, Kaiowá, Terena, Atikum, Ofayé-Xavante, Kinikinau, Kadiwéu, Guató e Kambá, não reconhecida oficialmente). É importante destacar que o estado abriga a 2ª maior população indígena do Brasil, superando 70.000 pessoas, ocupando apenas 0,6% das terras demarcadas no Brasil.
A violência contra a mulher também é latente no estado. De acordo com o Mapa da Violência (2015), as taxas de atendimento às mulheres vítimas de violência são as mais altas, em níveis estaduais, em comparação ao resto do país. Para se ter uma noção da gravidade do problema, enquanto a média nacional de atendimentos por violência é de 14,2 por 10 mil habitantes, MS tem a média de 37,4. Esse índice é bem maior que o segundo colocado nacional, Acre, com 26. Tal violência acomete principalmente as mulheres dos povos originários, dadas as variáveis que as atingem. Segundo o CIMI, os números de feminicídio aumentaram em 495% sobre essas mulheres.
Compreendemos o aprofundamento das crises econômica e política no Brasil, gestadas pelos 13 anos de conciliação de classe do governo PT, responsável pelo fortalecimento do agronegócio por meio das políticas de crédito, através do BNDES, beneficiando grandes latifundiários e empresas multinacionais. Os megaprojetos, a partir do PAC, a militarização das favelas e do campo, e a subsequente consolidação de regressões coloniais para o estabelecimento de uma política econômica voltada para a exportação de commodities e manutenção da condição de dependência do país, demonstra com que mãos foram acordadas a nova fase de exploração rapinadora da terra de Abya Yala onde pisamos: os partidos, governos e patrões, juntos do imperialismo criminoso e multipolar, fizeram avançar os campos de morte, como se referem os Guarani e Kaiowá à monocultura – uma monocultura de plantações, tanto quanto uma monocultura do pensamento e da vida. Os recentes avanços da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), ou bancada ruralista, junto ao governo atual, sinalizam o tempo de chacinas em que vivemos, à exemplo dos massacres de Caarapó, de Pau D’Arco, de Colniza, o massacre contra os Gamela e demais ataques contra nossa classe, dando continuidade ao processo anterior de forma agudizada. Estes fatos nos alertam para o ritmo avassalador do avanço do capital, em vias de estremecimento em sua crise estrutural, para arrancar do nosso povo o que lhe é mais fundamental: seu direito à existência. E assim se relaciona a concentração de terras às reformas trabalhista e da previdência, que andam juntas das consequências trazidas pelas diferentes cadeias produtivas no campo, vinculadas às empresas multinacionais que aqui atuam. O capital procura avançar, deste modo, contra as últimas fronteiras de sua expansão, territórios defendidos pelos povos indígenas e camponeses em luta.
As retomadas Guarani e Kaiowá, neste contexto, insurgem como um processo de recuperação das terras historicamente usurpadas pelo Estado e suas frentes de colonização. É um processo também de defesa e recuperação da terra, de motivação profundamente ecológica e cosmológica. O Comitê de Propaganda da RECC/FOB de Dourados pretende alcançar a construção de um núcleo local, participando da construção das lutas indígenas, compreendendo e respeitando a autonomia e a radicalidade de suas lutas pelo tekoha, “lugar onde se é”, segundo os Guarani e Kaiowá. É assim que se referem à suas terras tradicionais. Deste modo, buscamos aprender com os povos indígenas, especialmente os Guarani e Kaiowá, como lutar: não temer as grandes batalhas, mantendo firme a esperança na construção de um mundo onde caibam muitos mundos, ainda que tantos males rondem essas terras devastadas. Relembramos também a mobilização dos secundaristas de Dourados, que no ano passado, consolidaram a Juventude Autônoma e Combativa, bloqueando a empresa de ônibus da cidade durante a falsa Greve Geral, ocupando uma escola na sequência, a 1ª ocupada de Dourados, em oposição ao peleguismo e oportunismo dos partidos e burocracias sindicais que realizavam festa na avenida central. A mesma juventude realizou o único ato no dia do trabalhador do estado, como neste ano também, em que as burocracias sindicais e estudantis direcionaram suas bases para a defesa de Lula e da farsa eleitoral.
Como os Guarani e Kaiowá, procuramos nos organizar horizontalmente, inspirados na estrutura de conselhos da Aty Guasu, grande assembleia Guarani e Kaiowá, hoje lado a lado das outras assembleias do mesmo povo: a Retomada Aty Jovem (RAJ), assembleia da juventude, e Kuñangue Aty Guasu, assembleia das mulheres. Nosso intuito é fortalecer os processos em ebulição nos nossos locais de estudo, moradia, trabalho e pesquisa, criando uma frente estudantil, com atuação na Universidade Federal da Grande Dourados, junto às mobilizações da FAIND, Faculdade Intercultural Indígena onde existe o curso de Licenciatura da Educação no Campo (LEDUC) e o Teko Arandu, curso de formação superior para os Guarani e Kaiowá. A FAIND é fruto de grandes lutas dos indígenas junto às reivindicações estudantis por educação, e a conquista deste espaço é elaborada em conjunto da LEDUC e da luta por permanência estudantil. Construiremos também uma frente comunitária, para atuação nos bairros periféricos de Dourados, margeando as rodovias com espaços de acampamento e retomadas indígenas e camponesas; e uma frente central de solidariedade aos povos indígenas, atuando junto às aldeias, retomadas e acampamentos Guarani e Kaiowá em defesa da terra.
Por um mundo onde caibam muitos mundos!
Avançar às retomadas, destruír o latifúndio!
Pelo fortalecimento do internacionalismo proletário e dos povos, avançar a luta estudantil classista e combativa!
Território, Justiça e Liberdade: o povo Guarani e Kaiowá resiste!