No início de fevereiro de 2019 o governo eleito vem atacando ainda mais os direitos que precariamente os trabalhadores, estudantes, indígenas, negros, populações periféricas e pessoas em vulnerabilidades psicossociais tinham acesso. Além dos retrocessos na educação, na previdência (com o desvio de 600 bilhões), nas questões ambientais, conforme esperado, na saúde não está sendo diferente. No caso da saúde mental o Ministério da Saúde, através de Quirino, que foi coordenador de saúde mental no governo Temer e do Ministro Mandetta (DEM) deu-se continuidade ao processo que vem sendo considerado “o fim de reforma psiquiátrica” que já vinha apontado por portarias e resoluções em 2017 e 2018.
A nota técnica do ministério da saúde Ministério da Saúde Nº 11/2019-CGMAD/DAPES/SAS/MS efetiva as mudanças na Política Nacional de Saúde Mental e nas Diretrizes da Política Nacional sobre Drogas. Esta nota técnica induz principalmente as pessoas que não são familiarizadas com o campo da saúde mental a acreditar que o modelo anterior e toda a história da Reforma Psiquiátrica assegurada pela lei 10.216 de 2001 nada fizeram. Esta lei dispunha pela reordenação do modelo de saúde mental através da desinstitucionalização de hospitais psiquiátricos e criação de um modelo de saúde substitutivo à estes. Até 2002, 75% do orçamento da saúde Mental encontrava-se destinada a hospitais psiquiátricos em que além de asilamento perpétuo em diversas ocasiões eram exercidos inúmeras torturas e outras violências.
Alguns pontos pra entender o que diz a nota técnica:
O que muda: |
Como era a proposta: |
O que significa: |
Hospital Psiquiátrico é parte da Rede de Atenção Psicossocial | Os hospitais psiquiátricos, pela perspectiva da reforma psiquiátrica seriam fechados gradualmente. As internações psiquiátricas deveriam acontecer em leitos específicos em hospitais gerais. | Os hospitais psiquiátricos voltam a ser considerados lugar de tratamento em saúde mental. A NT faz menção aos antigos moradores destes lugares considerando que estes leitos devem ser ocupados por outras pessoas agora, sobretudo usuários de drogas e pessoas com transtorno mental grave. |
Retirada do financiamento dos Serviços Substitutivos que compunham a RAPS | A partir da criação dos serviços substitutivos (CAPS, Residenciais terapêuticos, Centros de convivência, etc) almejava-se fechar os leitos em manicômios. | Os serviços substitutivos de base comunitária vêm sendo desmontados gradualmente desde o governo Temer. No entanto a proposta reformista do cuidado em saúde mental nunca chegou a consolidar de fato a substituição. |
Eletroconvulsoterapia (ECT), aparelho passa a compor a lista de itens a ser comprado pelo SUS. | Nunca deixou de existir, mas para se conseguir sendo financiada pelo SUS era preciso entre com um processo específico. | Que há uma oficialização da volta do eletrochoque com financiamento SUS. Ainda que existam alguns casos em que haja recomendação, acredita-se que voltará a ser utilizado como método de tortura e punição. |
Comunidades Terapêuticas | Ainda no governo Dilma e seus aliados, foi pactuado o financiamento de comunidades terapêuticas como parte integrante da RAPS.
No programa “Crack é possível vencer” além do convenio com as CTS, investiu-se um aparato bélico às polícias e intensificou-se a partir da “saúde” o monitoramento por câmeras nos pontos considerados zonas de uso e venda de drogas. |
Ao redirecionar o tratamento a instituições fechadas, comunidades terapêuticas a NT é categórica ao acabar com a política de redução de danos. O problema de pessoas com crack, álcool e outras drogas, é um campo complexo, exigindo mesclar diferentes técnicas de abordagem. A maioria destas instituições são geridas por entidades religiosas e a maioria (segundo o relatório do CRP de 2017) não atendem ao que é preconizado terapeuticamente. Não são raras as práticas torturas e outras violências, como se as pessoas que usam droga devessem ser punidas pela sua condição. |
CAPS indígena | Os distritos sanitários de saúde eram regionalizados de acordo com as especificidades dos grupos étnicos. | A concepção de saúde indígena não é igual à dos não indígenas, logo a criação de um CAPS específico para esta população já é por si só uma falta de compreensão de como deve operar a saúde destes povos. O aumento da prevalência de suicídios e abuso de álcool para os indígenas está relacionado a perda de território e da educação dentro de seus métodos. |
A prevenção e educação sobre o uso de drogas passa para o ministério da Cidadania | As abordagens preventivas e educativas eram de responsabilidade da saúde e realizadas através de acordos interministeriais. | O ministro da Cidadania é Osmar Terra, defensor das internações compulsórias e um dos responsáveis por expandir o termo “epidemia do crack” comparando os usuários a zumbis. Ele ficará responsável por uma enorme fatia do orçamento da saúde mental para continuar insistindo que a abstinência é o único caminho para as pessoas que usam drogas. |
Internação de crianças e adolescentes em hospitais psiquiátricos. | Além dos CAPS infantis o preconizado em caso de necessidade de internação é que fossem feitas em hospitais gerais. | Crianças e adolescentes poderão voltar a ser internadas em manicômios, iniciando desde cedo um processo de institucionalização do qual raramente conseguem se livrar além de ficar mais expostas as violências cometidas nestes lugares. |
É o fim da reforma psiquiátrica sem concluir a obra, como se os “peões” da reforma psiquiátrica fossem aos poucos sendo substituídos por construtoras. A saúde se transformou em um megaprojeto que visa o lucro das igrejas, corporações e grandes laboratórios farmacêuticos. A Reforma Psiquiátrica não avançou porque manteve fazendo conciliações e colocando a saúde em mesa de negociações. Um exemplo disso é que a formação médica no país quase não sofreu alterações, permanecendo um curso para as elites.
Ao mesmo tempo em que se cobra posturas individuais e se culpabilizam as pessoas por seu adoecimento, as leis que aumentam a incidência do adoecimento psíquico de forma coletiva e abrangente nunca deixaram de ser postas e aprovadas. Um exemplo é número de agrotóxicos liberados, que adoece quem os consome e está associado ao maior índice de suicídio entre os trabalhadores que os manipulam – como nas plantações de fumo, por exemplo.
O uso de medicamentos psiquiátricos pelos trabalhadores dos frigoríficos, agricultura, indústria, estudantes, em função da produtividade exigida pelo mundo do trabalho no capitalismo é cada vez maior. Porém, pouco se fala sobre a associação da precarização do trabalho com o adoecimento psíquico e abuso de drogas.
Ao trabalhador e trabalhadora que é considerado improdutivo por causa de seu adoecimento, a alternativa é o enclausuramento em campos de concentração: os Hospitais Psiquiátricos.