Volta às aulas e o aprofundamento do autoritarismo e desigualdades na educação no Ceará

Volta às aulas e o aprofundamento do autoritarismo e desigualdades na educação no Ceará

A educação brasileira está no centro de um cenário desastroso bastante anterior a emergência da pandemia do novo coronavírus. Antes da vitória eleitoral do atual governo de turno, a extrema-direita terraplanista ganhou corpo no movimento reacionário “Escola sem partido”, cortina de fumaça para lançar as bases autoritárias do movimento bolsonarista dentro do campo da educação. Verdadeiros gangsteres, este movimento demonstrou profundo desprezo ao conhecimento científico e à liberdade de cátedra, fiando apenas compromisso com a educação voltada para os interesses do mercado financeiro e ao obscurantismo evangélico.

Em 2020, o governo Bolsonaro/Mourão demostra uma refinada competência: a completa inabilidade de condução do Ministério da Educação (MEC). O ministério loteado para entreguistas, militares e terraplanistas, em pouco mais de um ano e seis meses, apresentou um quadro de ministros completamente desastrosos, representantes do capital financeiro e, portanto, inimigos da educação pública. O maior êxito é encontrado na destruição da autonomia universitária com a nomeação de reitores biônicos nos Institutos Federais Tecnológicos e Universidades Federais. Esse é o projeto antipovo e antidemocrático formatado para colocar em prática as reformas autoritárias preconizadas pela extrema-direta e os setores evangélicos fundamentalistas.

O cenário de pandemia lança uma nova cortina de fumaça para o centro do movimento da educação, pois, apesar da saída do gangster entreguista, Abraham Weintraub, não existe qualquer indício que o Estado brasileiro irá estabelecer as bases para uma Educação voltada para os interesses populares. O Sindicato Geral Autônomo do Ceará (SIGA-CE) destaca que a situação não é menos preocupante no Ceará tendo em vista o retorno das aulas em período próximo, situação que aprofundará as desigualdades no Ensino Básico e Superior, jogando à própria sorte milhares de estudantes pobres que serão impedidos do acesso à Educação e, eventualmente, terão de arriscar suas vidas nas aulas presenciais durante a pandemia.

Ensino Médio

No dia 16 de março de 2020, o decreto do Estado do Ceará de N° 33.510 foi publicado decretando situação de emergência em saúde devido a pandemia de Covid-19 e decretando para a partir do dia 17 de março a suspensão das atividades educacionais presenciais das escolas da rede pública de ensino. Logo após isso, foi autorizado pelo MEC e então de modo autoritário implementado nas escolas municipais e estaduais de forma improvisada a metodologia de ensino a distância (EAD), dando continuidade às aulas e aos calendários letivos.

Porém, longe de mostrar-se como uma saída eficiente para manutenção do ensino das escolas em período de pandemia, a implementação do EAD – parte da agenda neoliberal de precarização da educação pública – provou-se como realmente é: mais uma ferramenta de manutenção e aumento da desigualdade que como alvo principal, afeta e negligencia os estudantes pobres e do povo. A pesquisa TIC Educação 2019 mostra que 34% dos alunos de escolas em áreas urbanas no Brasil não tem tablet, computador de mesa ou portátil em casa e 39% dos alunos de escola pública urbana não tem acesso a smartphones. Já nas áreas rurais as condições são muitas vezes até piores, com áreas sem nem sequer sinal de internet para acessar os conteúdos online do ensino a distância.

Entretanto, para os alunos que conseguem ter acesso ao EAD há sim problemas que fazem com que o acompanhamento dos conteúdos seja prejudicado, mostrando além da precariedade a fragilidade que a implementação improvisada tem. Os problemas vão desde a impossibilidade de conciliar tarefas domésticas com horário das aulas (que muitas vezes acontecem em contraturno), dificuldade de comunicação aluno-professor, até a inabilidade de operação das ferramentas digitais, falta de armazenamento para a instalação de aplicativos onde as aulas são ministradas e o principal: dificuldade de adaptação à nova metodologia.

Para os estudantes que vão prestar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) o cenário não é muito diferente, conforme os dados socioeconômicos colhidos pelo Inep, um em cada três estudantes (33.5%) que realizaram o Enem nos últimos cinco anos não tem acesso à internet e a dispositivos que possibilitem o EAD. No Ceará, menos da metade dos alunos tem acesso à internet e equipamentos que possibilitem o acesso. A prova poderá ser adiada por um, dois ou seis meses de sua data original, 4 e 11 de novembro. Votação feita de forma online pelo MEC aos participantes mostra que metade (49.7%) prefere o adiamento de seis meses. A proposta de um ou dois meses de adiamento é absurda, não dando o tempo necessário para a recuperação e conclusão dos conteúdos nas escolas, contribuindo, mais do que a prova por si só já faz normalmente, para a desigualdade de condições ao acesso, e ao acesso de fato ao ensino superior que o povo pobre enfrenta. Já a realização do Enem, mesmo com seis meses de adiamento, também seria um problema, visto que para que o conteúdo possa ser alcançado nas aulas presenciais, o retorno destas deveria ser posto em prática ainda com a disseminação do vírus da Covid-19 em alta em diversas cidades e Estados do país.

Em 2012, nós da Rede Estudantil Classista e Combativa (RECC), já havíamos alertado que o Enem também serve como ferramenta de restrição ao acesso a Universidade Pública, pois este não leva em consideração o cotidiano que muitas vezes os alunos de escola pública tem que passar como a divisão do tempo para a realização de atividades para complementar a renda familiar, ou a dificuldade de acesso a livros, jornais, eventos culturais que muitas vezes são cobrados na prova. A possibilidade de ir a outros estados onde tenham vagas só era possível para estudantes com dinheiro para se manter em outro local diferente da casa dos pais, ou seja, não era uma realidade para a maioria dos estudantes das escolas públicas. Se antes já existia uma gritante dificuldade em acessar o ensino superior público, agora com a pandemia existe uma intensificação das desigualdades sociais que poderá ser observada no resultado dos exames de exclusão do Ensino Superior. Desta forma, continuamos a defender o livre acesso a Universidade, pois defendemos que a educação deve servir aos interesses da classe trabalhadora.

Agora o que está sendo colocado pelo governo do Estado do Ceará é o retorno das aulas presenciais nas escolas públicas e particulares, consideradas atividades de grande aglomeração. A volta das aulas presenciais faz parte da última etapa do precoce plano de reabertura da economia e das atividades não essenciais que tem início planejado para 20 de julho, com a volta da rede pública prevista para agosto. O resultado desse plano será o de milhares de alunos e seus familiares jogados à contaminação e possível morte pelo vírus em sacrifício pela volta das aulas em um falso senso de normalidade, numa possível terceira onda vindoura de contaminação trazida pela “reabertura” da economia.

Unilab

A Unilab (Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira), com sede em Redenção-CE e São Francisco do Conde-BA, enfrenta ainda outro grande desafio, que é a de locomoção, pois suas sedes são afastadas da capital. Tendo em vista seu perfil internacionalista e regionalista, a Unilab acolhe estudantes de inúmeros municípios do Ceará e outros tantos de países africanos, o que vem causando uma super lotação nas cidades. Ainda que muitos estudantes internacionais tenham permanecido na cidade, pela impossibilidade de retorno aos seus países, a pandemia de Covid-19 diminuiu o fluxo de circulação de pessoas na cidade de Redenção e, no caso de volta as aulas, muitos alunos teriam que retornar de suas casas para repúblicas precárias e lotadas, posto que os alugueis são absurdamente caros. A maioria desses estudantes são de origem pobre e necessitam do auxílio para sua manutenção, este vem sendo cortado progressivamente e prejudicando não somente sua estadia na cidade, mas também na locomoção e serviços essenciais, assim como impossibilitando o acesso à internet.

Além disso, a Unilab atende uma parcela significativa de estudantes da zona rural, mesmo que precariamente, dentre eles, uma grande quantidade de estudantes quilombolas e indígenas, que tem o seu recém ingresso na universidade, após tantas reivindicações, ameaçados pela política autoritária do interventor Roque do Nascimento Albuquerque, nomeado pelo governo Bolsonaro/Mourão. Dessa forma as políticas tem se voltado para a exclusão desses alunos que buscam a universidade como um meio de ascensão social para garantir uma mínima estabilidade para suas famílias e buscam melhorar a situação de vulnerabilidade na qual se encontram. Esse plano de retorno as aulas irresponsável, exclui e prejudica todas e todos aqueles que dependem da Unilab para ter acesso à internet e precisariam voltar para a cidade, colocando em risco suas vidas, visto que o governo não tem interesse em garantir as condições mínimas para o retorno das aulas. Exigimos que todos esses alunos marginalizados sejam contemplados com aparatos ou meios tecnológicos que assegurem o acesso às aulas EAD sem prejuízo, mesmo entendendo que essa não será a condição ideal de aprendizagem.

UFC

Graduação

Recentemente, vem sendo divulgado um plano de retorno às aulas pela Pró-reitora de Graduação da Universidade Federal do Ceará (UFC), uma das medidas apontadas será a distribuição de chips com internet a serem utilizadas em aparelhos como smartphones ou em modens móveis. Apesar de ser na aparência uma boa medida, não irá atender às demandas impostas pelo povo pobre que com todas as dificuldades deste sistema elitista e racista conseguem entrar no mundo universitário, mas a desigualdade financeira não permite que se vivencie em todas as suas dimensões. Isso se agrava quando pensamos na realidade de milhares de estudantes que não tem espaço adequado em casa para desenvolver seus estudos, onde muitas vezes o seu espaço de casa é o espaço de trabalho para sustento de sua família, como a pequenos espaços de comércio, mercearias, ou espaço para máquinas de costura, que não somente ocupam a casa quanto fazem intenso barulho atrapalhando a compreensão dos temas a serem estudados. Desta forma, estamos falando de várias outras dimensões que deveriam ser planejadas pela gestão interventora da UFC. A tentativa de normalidade é fragrante, inclusive prevendo premiação para as universidades que manterem suas atividades.

A UFC demonstra também incoerência no gerenciar das dificuldades que foram acentuadas pela pandemia da Covid-19. Ao obter dados a respeito do acesso à internet pelos discentes a universidade se utilizou de um meio eletrônico ao qual se fazia necessária a conexão de internet para responder. Indício forte da falta de realidade da elite burocrática universitária. A instituição informou ainda que aqueles que não tiverem acesso à internet poderão frequentar as aulas através de equipamentos disponibilizados nas instalações da universidade, obrigando assim que os alunos em situação econômica mais vulnerável arrisquem a própria saúde para continuar com o semestre letivo. A UFC irá funcionar independentemente de quem vive e quem morre, ansiosa para ser reconhecida e premiada.

Outra medida apresentada no plano é a não aglomeração de estudantes em laboratórios, em disciplinas práticas, o que se omite é o deslocamento desses estudantes até a Universidade, como na utilização de transportes coletivos, a passagem por terminais que em sua maioria encontram-se já super lotados pelo retorno precoce do planejamento estadual feito sob a gestão de Camilo Santana (PT), tendo em vista que este plano foi pensado na desocupação de leitos em UTI’s e não no controle da doença.

Não podemos esquecer que quem gere a UFC hoje é um interventor, um reitor biônico, escolhido por Jair Bolsonaro, e que se encontra alinhado (curvado) com este governo.

Pós-graduação

A pós-graduação enfrenta um cenário peculiar nos últimos anos. A criação de novos programas de pós-graduação e o crescimento na oferta e número de vagas para mestrados e doutorados, teve impacto importante para formação descentralizada dos centros de pesquisa consagrados. Porém, em franco declínio devido aos ataques do governo Bolsonaro/Mourão, a pós-graduação abriga o setor mais precarizado na produção do conhecimento científico profissionalizado, isto é, seus estudantes de mestrado e doutorado estão completamente alienados de direitos trabalhistas mínimos.

A pandemia aprofundou a precarização de pesquisadores de mestrado e doutorado, os quais já possuem poucas garantias para o exercício de seu trabalho, apesar das exigências de alto desempenho do capitalismo acadêmico. O último reajuste de bolsas, muito distante da pauta defendida pelo movimento da educação, aconteceu em 2013, além de que não contam com amparo em caso de doença, por exemplo. Sem férias remuneradas, sem décimo terceiro, muitos pesquisadores e pesquisadoras enfrentam grandes desafios para sua manutenção na pós-graduação

As principais agências de financiamento (CAPES, FUNCAP e CNPq) aprovaram prorrogação do pagamento de bolsas de mestrado e doutorado, medida que deverá ser feita pelos programas de pós-graduação, mas não existe um plano de garantias para a saúde e vida do pesquisador e da pesquisadora. Na UFC, existe uma evidente precarização para pesquisadores que dependem exclusivamente da bolsa para a manutenção de sua vida material, pagamento de aluguel, contas, alimentação, entre outros, sobretudo para os setores pobres que estão na pós-graduação. O elitismo acadêmico da UFC, seguindo o desejo do MEC bolsonarista, deseja a normalidade acadêmica para garantir as premiações e afagos dos seus chefes, situação combatida pelas diversas comunidades de pesquisadoras e pesquisadores da UFC.

UECE

A Universidade Estadual do Ceará (UECE) tem sua localidade na Serrinha, um bairro popular sofrendo com as mortes devido ao coronavírus e que encontra-se precisando de nossa solidariedade de classe, tendo em vista o alto número de desemprego que o Brasil já vinha enfrentando e que foi acentuado devido a pandemia. A UECE antes da pandemia provocada pela Covid-19, já vinha passando por situações de precarização como o caso da demissão de vários trabalhadores terceirizados, no qual os poucos trabalhadores que permaneceram estão sobrecarregados por terem que realizar com duas mãos um trabalho que deveria ser feitos por oito mãos. A falta de trabalhadores para cuidar da limpeza da Universidade já era marcante, no cenário em que um vírus se reproduz rapidamente pela falta de higienização percebe-se a importância dos trabalhadores desse setor, mais ainda, a inviabilidade de retorno sem os devidos cuidados com a limpeza.

Em maio, a UECE criou um GT de enfrentamento ao coronavírus que deveria apresentar um plano de retorno às aulas visando diminuir os danos ocasionados pela pandemia, e deveria ser aprovado pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE). No entanto, seguiria o plano de retomada orientado pelo governo estadual do Ceará. O governo petista constantemente demonstra orgulho por sua política de segurança racista, enquanto segue sem fazer concurso para a UECE e convocar milhares de professores aprovados no último concurso da SEDUC-CE. Não obstante, até o momento não foi apresentado um plano para retorno das atividades acadêmicas, fazendo com que os estudantes fiquem perdidos em relação ao retorno das aulas e possíveis direitos e deveres que terão que obedecer para o controle de contaminação da doença e preservação de suas vidas e de seus familiares.

O semestre que ocorria presencialmente antes do isolamento social devido ao coronavírus teve dificuldade para ser concluído pelos alunos mais pobres, pois era solicitado que os alunos participassem de salas de aula online, e muitos estudantes levaram faltas por não estarem presentes, mas pouco se levou em consideração a dificuldade socioeconômica para a participação dos filhos da classe trabalhadora, bem como muitos professores ficaram perdidos por falta de capacitação para lidar com as ferramentas digitais de comunicação. Desta forma, fica nítida a necessidade de pensar num plano socioeconômico para a retomada das atividades no caso de serem realizadas virtualmente. Além disso, pensar o contexto socioeconômico que os estudantes estejam inseridos. Para além de seguir o plano ditado pelo governo estadual, a UECE, deve avaliar junto ao seu corpo técnico de saúde a viabilidade de retomar as aulas, pesquisas e atividades de extensão, pensando na preservação de todos os estudantes, trabalhadores terceirizados, servidores técnicos-administrativos e professores.

Defender a vida e o bem-estar do povo: só o povo salva o povo

Levando-se em conta tudo o que foi observado, além da continuação do desmonte da educação pública posto em prática pelo governo da vez, a extrema-direita, evidencia-se também o aprofundamento das desigualdades que ocorre no Ceará e afeta tanto o Ensino Básico quanto o Superior. Para além disso, também se demonstra a semelhança do projeto petista de Camilo Santana ao governo Bolsonaro/Mourão no que diz respeito à relação com a economia em detrimento da vida e bem-estar do povo.

Nesse sentido, no governo de Camilo Santana, abre-se o comércio para um possível novo fechamento e com a possibilidade de mais pessoas ficarem doentes e perderem suas vidas, gente esta, que tem classe social e tem cor, em sua maioria nós, povo negro, indígena e pobre. Não se trata de uma nova realidade, mas da reinvenção da superexploração capitalista e da valorização da economia e a sua capacidade de nos fazer acostumar com várias mortes diárias. Desta forma, devemos defender a vida e a dignidade de nosso povo, ou fazemos isso por nós ou ninguém fará!

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